Transtorno Opositor-Desafiante (TOD) não é falta de limite
Há cinco anos, a assistente administrativa Sandra Regina Pereira, 46, de Matão, interior de São Paulo, descobriu que seu único filho sofre de TOD (transtorno opositor-desafiante), um distúrbio de comportamento ainda pouco conhecido que faz com que ele tenha crises nervosas frequentes e repentinas por não conseguir controlar suas emoções. Por não compreenderem a condição do garoto, que faz tratamento médico e psicoterápico, muita gente confunde os episódios com falta de educação ou de limites, a ponto de alguns professores chegarem a fazer um boletim de ocorrência contra ele por agressão. Alvo constante de preconceito e de julgamento sobre seu papel de mãe, Sandra contou ao UOL sobre os dramas que enfrenta na criação do filho.
“Ele parecia outro menino” Tudo começou quando ele tinha seis anos de idade, hoje está com 11, e passou a ter crises nervosas frequentes. Na época, ele tinha acabado de mudar de escola e acredito que esse tenha sido o estopim para o surgimento do problema. Antes disso, não havia percebido nada de errado com ele, pois tinha um comportamento normal para a idade. Então, de repente, parecia outro menino.
“É preciso passar por avaliações neuropsicológicas” Para chegarmos a esse diagnóstico, foi preciso que meu filho passasse por muitos testes e avaliações neuropsicológicas, mas o TOD não é detectado através de exames. A ciência ainda não sabe o que faz com que a criança tenha este descontrole emocional. O psiquiatra ou neuropediatra, juntamente com um neuropsicólogo, são os profissionais indicados para investigar casos assim. Meu filho também faz um tratamento psicológico na linha cognitivo-comportamental.
“Crianças com TOD recusam-se a cumprir as regras” Crianças e jovens com TOD são constantemente desafiadores, recusam-se a cumprir regras ou comandos dos adultos. É comum que discutam por qualquer motivo e não assumam seus erros ou responsabilidades. Eles não têm controle emocional para lidar com situações do dia a dia. Aborrecem-se com muita facilidade, ficam com raiva, ressentidos, incomodam os outros deliberadamente e
preferem culpá-los pelos seus próprios erros. Chegam, muitas vezes, a ser rancorosos e até vingativos.
“Muita gente acha que não soube educá-lo” Não é fácil, porque a maioria das pessoas não enxerga o problema comportamental como um transtorno e fica difícil lidar com meu filho quando todos estão sempre me julgando como mãe. Muita gente acha que eu não soube educá-lo corretamente, ou que não consegui impor regras. Mas o TOD é um distúrbio, descrito, inclusive, na CID (classificação internacional de doenças). Claro que não basta uma crise de birra ou um episódio de agressividade para diagnosticá-lo.
“As escolas diziam que não tinham vaga” Eu visitei muitas escolas particulares e quando falava que meu filho tinha TOD quase todas diziam que não tinham vaga. Algumas chegavam a dizer que não podiam perder alunos por causa do comportamento de um estudante. Houve uma vez em que, no primeiro dia de aula, ele não queria entrar na sala de aula. Então, a diretora chamou um funcionário e o colocou para dentro à força, pelas pernas, fazendo com que ele se debatesse e quebrasse o colar dela. Eu já estava saindo, dentro do carro, quando ela se aproximou dizendo que em dez anos de carreira na área de educação nunca tinha visto tal comportamento e que aquilo era ‘falta de
limites’.
“Os pais também precisam de terapia” Para que ocorra progresso no tratamento, é preciso que os pais também façam terapia. No começo, achava que o melhor era enfrentá-lo e puni-lo, mas isso fazia com que se sentisse acuado. Com o tempo, aprendi a ser firme sem deixar de demonstrar amor. Quando percebo que ele está nervoso, mudo o foco, o beijo e digo que o amo, vou conversando e assim eu derrubo suas defesas. Para chegar a isso foram anos de aprendizado, mas participo de um grupo de pais do CRAS (Centro de Referência de Assistência Social) que tem me ajudado muito.
“Relutei para aceitar os remédios” Desde que recebeu o diagnóstico de TOD, ele precisou tomar remédios para que as crises nervosas se tornassem menos frequentes. Eu relutei muito para aceitar, mas a psicóloga me fez entender que isso iria trazer qualidade vida, pois ele ficava tão nervoso que não era possível a convivência. Com o início da puberdade, houve uma troca de medicação e hoje ele toma dois medicamentos, um para acalmá-lo e um estabilizador de humor. É muito tênue a linha que separa a calmaria da explosão. Após toda crise nervosa, ele chora e pede desculpas. Diz que não consegue se controlar e que existem dois meninos dentro dele: o calmo e o nervoso – e que ele detesta o nervoso.
“Crianças não julgam como os adultos” A melhor forma de conseguir que meu filho mantenha uma vida socializada é convidando os amigos para minha casa. Eles não julgam como os adultos e o aceitam mais facilmente. Infelizmente, ele já agrediu colegas de escola. Quando isso acontece é porque reagiu a alguma situação, ele nunca surta do nada. É preciso saber o motivo para tal reação.
“Eu me solidarizei com outras mães” Após ler os comentários em uma matéria sobre TOD de algumas mães falando em suicídio, fiquei muito preocupada e me solidarizei com o desespero delas. Então decidi criar o site (www.transtornos.org) para falar sobre minha experiência e tentar ajudar de alguma forma. Criei também dois grupos no Whatsapp para que os pais possam desabafar e trocar experiências. É uma forma que encontrei
de ajudar tantos corações aflitos e solitários.
“Tento não focar no futuro, e sim, no presente” Já tive muitas preocupações sobre o futuro do meu filho. Mas hoje eu vivo um dia de cada vez. Cada dia sem uma crise nervosa é uma vitória minha e dele, e o futuro a gente constrói todo dia com muita paciência, fé e amor. Aproveito para fazer um pedido às pessoas que convivem com crianças com TOD: confiem nos seus filhos, voltem a brincar com eles. Confiem também nos profissionais de saúde e não sofram com julgamentos alheios, façam terapia familiar e acreditem: seus filhos ficarão bem.
Fonte: UOL.