A Reforma (comemorando 500 anos!)
“A Reforma do século 16 … despertou a Igreja de sua letargia medieval, e fê-la cônscia não só da necessidade, mas da possibilidade de renovação de sua vida” (Siegfried Schwantes, O Despontar de uma Nova Era).
Assim como ocorrera com o Judaísmo, o Cristianismo se distanciara de seu propósito original de levar homens e mulheres de todo o mundo ao conhecimento do Deus Criador. Doutrinas pagãs, a falta de acesso à Bíblia e o autoritarismo ferrenho por parte do clero acabaram implantando na mente das pessoas a idéia de um Deus intransigente e distante. Para se ter acesso a Deus, era preciso recorrer aos sacerdotes; para se obter o perdão dos pecados, era necessário fazer penitências e mesmo pagar por ele. Nada mais conveniente para o pai da mentira, cujo propósito sempre foi o de levar as pessoas ao desespero e à rejeição de Deus.
Nos séculos 17 e 18, houve pessoas (os iluministas) que, descontentes com esse sistema de coisas, acabaram por romper com a Igreja, oferecendo resistência a tudo que tivesse “sabor” religioso. A própria Bíblia passou a ser alvo da desconfiança dos intelectuais que, em lugar de Deus, passaram a cultuar a razão humana.
O Iluminismo marcou um momento decisivo para o declínio da Igreja e o crescimento do secularismo atual, assim como serviu de modelo para o liberalismo político e econômico e para a reforma humanista do mundo ocidental no século 19. A despeito de algumas importantes conquistas desse movimento político-cultural, o principal saldo, sob a ótica religiosa, foi negativo: as pessoas confundiram o cristianismo com os erros e o autoritarismo da religião dominante (católica). Se o cristianismo puro, baseado unicamente nas Escrituras Sagradas, ainda existisse (pelo menos oficialmente), não haveria por certo essa tremenda aversão por tudo que tivesse aparência de religião.
Mas houve outros que resolveram olhar por sobre o horizonte das tradições religiosas e contemplar a verdade como ela é apresentada nas Escrituras. Martinho Lutero (1483-1546) foi um desses.
Lutero era monge e professor da Universidade de Wittenberg, na Alemanha. Certo dia deparou-se com uma Bíblia acorrentada à parede do mosteiro e começou a estudá-la, tendo a atenção despertada especialmente pelo livro de Romanos. Através das palavras do apóstolo Paulo – “O justo viverá por fé” (Romanos 1:17) –, Lutero descobriu que de fato não existe como alguém merecer o favor de Deus por alguma coisa que faz; que a única forma de se obter o favor divino é através da fé em Jesus Cristo; e que através da fé em Jesus os pecados são perdoados por Deus. Esse novo entendimento, conhecido como a doutrina da justificação pela fé, tornou-se um dos pilares do pensamento religioso de Lutero.
O desejo de Lutero não era o de fundar uma nova igreja, mas alguns incidentes acabaram por levá-lo ao rompimento com o Catolicismo. O papa reinante na época, Leão X, em razão da necessidade de avultadas somas para terminar as obras do templo de São Pedro, em Roma, permitiu que um enviado, João Tetzel, percorresse a Alemanha vendendo bulas (decretos papais), as quais, dizia ele, possuíam a virtude de conceder perdão de todos os pecados, não só aos possuidores da bula, mas também aos amigos, mortos ou vivos, em cujo nome fossem as bulas compradas. E tudo isso sem a necessidade de confissão, nem absolvição pelo sacerdote. Tetzel fazia essa afirmação ao povo: “Tão depressa o vosso dinheiro caia no cofre, a alma de vossos amigos subirá do purgatório ao Céu.” Nem é preciso dizer que Lutero ficou indignado com isso. E começou a pregar contra o enviado do papa, denunciando seu ensino como falso.
Os historiadores consideram o dia 31 de outubro de 1517 como a data do início da Reforma. Foi na manhã desse dia que Martinho Lutero afixou na porta da Catedral de Wittenberg um pergaminho que continha 95 teses ou declarações, quase todas relacionadas com a venda de indulgências, questionando seriamente a autoridade do papa e do sacerdócio. Os líderes da Igreja procuraram em vão restringir o monge alemão, mas os ataques que lhe dirigiram apenas serviram para tornar mais resoluta sua oposição às doutrinas não apoiadas nas Escrituras Sagradas.
Em pouco tempo, as opiniões de Lutero se tornaram conhecidas em toda a Alemanha, através de debates e da publicação de folhetos. Seus ensinos foram formalmente condenados pela Igreja e, no mês de junho de 1520, Lutero foi excomungado pelo papa.
No dia 10 de dezembro, Martinho Lutero queimou a bula de excomunhão durante uma reunião pública, à porta de Wittemberg, diante de uma assembléia de professores, estudantes e do povo. Esse ato constituiu a renúncia definitiva de Lutero à Igreja Católica Romana.
O aperfeiçoamento dos tipos móveis de impressão, em 1455, foi um tremendo aliado para a expansão da Reforma. Com seu invento, Guttenberg possibilitou a circulação de livros e folhetos de maneira mais acessível e aos milhares. Antes de se inventar a imprensa, os livros eram copiados à mão. Uma Bíblia, na Idade Média, custava o salário de um ano de um operário. Por isso mesmo, é muito significativo o fato de o primeiro livro impresso por Guttenberg haver sido justamente a Bíblia.
Aos poucos, a Palavra de Deus foi sendo traduzida e impressa na língua do povo, que podia agora, por si próprio, perceber o quanto a Igreja se distanciara dos ensinos bíblicos. Os novos ensinamentos dos reformadores, logo que eram escritos, também eram publicados, circulando aos milhões por toda a Europa.
Na Suíça, Ulrico Zuínglio atacou a “remissão de pecados” que muitos procuravam por meio de peregrinações a um altar da Virgem de Einsieldn. Depois foi a vez do teólogo João Calvino publicar sua obra Instituições da Religião Cristã, que acabou por tornar-se regra da doutrina protestante. Na Inglaterra, João Tyndale trouxe à luz a primeira tradução inglesa da Bíblia. Tyndale foi martirizado em Antuérpia, no ano de 1536, mas sua obra foi de grande importância para a Reforma. Na Escócia, João Knox fez desaparecer todos os vestígios da antiga religião e levou a Reforma mais longe ainda do que na Inglaterra, dando origem à Igreja Presbiteriana.
“No início do século 16”, escreveu Jesse Lyman Hurlbut, em sua História da Igreja Cristã, “a única igreja na Europa Ocidental era a católica romana, que se julgava segura da lealdade de todos os reinos. Contudo, antes de findar esse século todos os países do norte da Europa ao oeste da Rússia se haviam separado de Roma, e haviam estabelecido suas próprias igrejas nacionais.”
Para Hurlbut, os princípios da Reforma podem ser resumidos assim: (1) a verdadeira religião está baseada nas Escrituras; (2) a religião deve ser racional e inteligente; (3) deve ser uma religião pessoal; e (4) deve ser uma religião espiritual em oposição à religião formalista.
“Indiscutivelmente houve muitos homens sinceros e espirituais na Igreja Católica Romana, entre os quais podemos destacar Bernardo de Clairvaux, Francisco de Assis e Tomás de Kempis, os quais viviam em íntima comunhão com Deus. Entretanto, de modo geral, na Igreja a religião era letra e não espírito. … Os reformadores… proclamavam que os homens são justificados não por formas e observâncias externas e sim pela vida interior espiritual”, diz Hurlbut.
No livro O Despontar de Uma Nova Era, Siegfried Schwantes afirma que “a Reforma do século 16 adquire o significado de um acontecimento positivo da maior importância. Despertou a Igreja de sua letargia medieval, e fê-la cônscia não só da necessidade, mas da possibilidade de renovação de sua vida. Não foi a primeira tentativa para reformar a Igreja, mas certamente a primeira a alcançar êxito. … A História é vista como progredindo em direção de um alvo, o alvo da renovação total da Igreja em preparação para o segundo advento de Cristo. Dessa renovação, a Reforma do século 16 marcou uma etapa importante. Não a etapa final, por certo, mas a que revelava de modo cristalino a operação do Espírito na vida da Igreja.”
De fato, essa renovação da Igreja ainda não estava completa. Faltavam ser redescobertas verdades bíblicas ainda sepultadas sob o pó do tempo e das tradições. Doutrinas que evidenciariam que há um Deus dirigindo os rumos da História, a despeito da atuação frenética do inimigo nos bastidores. Três séculos depois do alvorecer da Reforma, outro movimento religioso poderoso abalaria o mundo.
Fonte: Michelson Borges.