maio 9, 2024

Blog do Prof. H

Adaptando conhecimento útil às necessidades da humanidade

Livro: Being as Communion (Existindo em Comunhão)

"É melhor deixar que o mundo seja o que ele realmente é, e não olhar para ele com as nossas pré-concepções sobre o que ele deveria ser. O materialismo é um desses tipos de pré-concepções; já a abordagem do realismo informacional deixa o mundo ser como ele é"

“É melhor deixar que o mundo seja o que ele realmente é, e não olhar para ele com as nossas pré-concepções sobre o que ele deveria ser. O materialismo é um desses tipos de pré-concepções; já a abordagem do realismo informacional deixa o mundo ser como ele é”

Este é o terceiro livro da trilogia de William Dembski, na qual são expostos métodos estatísticos para a inferência de causas inteligentes[1]Being As Communion procura estabelecer uma metafísica da informação, dentro da qual o Design Inteligente seja compreensível e digno de confiança. Apesar do livro fazer parte de uma trilogia, ele também pode ser lido sem referência aos outros. Para quem não é familiar com o trabalho de Dembski, recomenda-se a leitura de Being As Communion antes dos outros livros da trilogia, a fim de ter uma visão mais conveniente sobre o projeto intelectual e científico do Design Inteligente[2].

A vida intelectual contemporânea é dominada por uma metafísica materialista, e nela o Design Inteligente se torna praticamente incompreensível, pois ele faz uso de uma metafísica irredutível a noções materialistas da realidade. Ao contrário da metafísica materialista que já predefine o mundo em categorias materiais, a metafísica desenvolvida no livro liberta o questionamento científico, permitindo que a ciência siga as evidências para onde elas forem[1].

Em resumo, a metafísica desenvolvida no livro é essa: existir é estar em comunhão, e estar em comunhão é trocar informação. Por isso, a ciência fundamental que deve ser a base para todas as outras ciências é uma teoria da comunicação, e não uma teoria atomista, reducionista e mecanicista de partículas ou outras entidades cegas. Dentro dessa teoria da comunicação, o objeto próprio de estudo não são as partículas, mas sim as informações trocadas entre as entidades — entidades essas que devem ser definidas conforme a sua habilidade de comunicar informação[3]. Esse quadro metafísico geral faz jus à promessa de John Wheeler, Paul Davies e outros, que entendiam que a informação substituiria a matéria enquanto “substância primária do mundo”[4], e que com ela, “teríamos chegado à metáfora certa que iria unificar as ciências”[5].

Capítulo 1 — The Challenge of a Material World

No capítulo inicial, o autor traça alguns aspectos da cultura moderna, e como ela influencia o pensamento científico.

Apesar de vivermos numa era da informação, muito da cultura intelectual é ainda assim materialista, no sentido de conceber o mundo em termos materialistas. A própria informação é entendida como uma propriedade material, fazendo dela uma propriedade emergente da matéria. Questiona-se então se a informação realmente pode ser concebida em termos materiais, ou se é a própria matéria que é uma expressão de informação[6].

Boas razões para duvidar do materialismo sempre existiram. A cultura de massa hoje se opõe à cultura intelectual secular, acreditando que exista algum tipo de teleologia no universo, ou que os humanos estão aqui por algum propósito e que o próprio universo seja resultado de um propósito. O desafio de tentar explicar toda a realidade em termos materialistas levanta sérios questionamentos: como seria possível que seres conscientes compostos apenas de matéria poderiam saber que eram constituídos apenas de matéria? A princípio, a matéria não teria essa capacidade de produzir agentes que pensam, ou que formulassem representações sobre o mundo, ou que julgassem tais representações como verdadeiras. Esse questionamento evidencia a incoerência autorreferente do materialismo[7].

Porém, não é esse materialismo metafísico que é o mais visível na atualidade, mas sim o materialismo metodológico (ou naturalismo metodológico). A ideia do naturalismo metodológico é a de que, a fim de responder aos questionamentos mais sérios na ciência, é melhor que se trate o mundo como ele se fosse puramente material, deixando de lado fatores não materiais. Justifica-se o sucesso da ciência com essa ideia[8], e ela tem sido o princípio regulador do questionamento científico. Portanto, o mundo do naturalismo metodológico opera somente por leis naturais invioláveis[9], e nesse mundo, apenas a necessidade física e o acaso (ou alguma combinação dos dois) são consideradas causas explanatórias válidas. Esse materialismo afeta fundamentalmente a compreensão do mundo e a visão sobre a liberdade humana[10] — assunto que é tratado no capítulo 2.

Capítulo 2 — Free Will: The Power of No

Esse capítulo trata da relevância que a noção de livre arbítrio (ou livre agência) tem sobre a compreensão do mundo, a qual seria irredutível somente à necessidade física ou ao acaso.

Uma livre agência é sempre responsável pelas suas ações, sendo capaz de identificar possibilidades de ação, deliberar sobre seus efeitos e escolher uma dessas possibilidades por decisão própria à luz de seus valores. É em razão disso que a ação tomada por uma livre agência pode ser admirada ou culpabilizada, dependendo dos efeitos da ação ou das motivações do agente[11]. Porém, nada disso faria sentido sob uma visão materialista do mundo, que vê tudo sob os olhos de constituição material e leis naturais rígidas, impossíveis de serem violadas. No materialismo, o agente não consegue agir diferente das leis físicas às quais está sujeito em razão da sua constituição material. Portanto, nenhum agente é realmente livre, incluindo os seres humanos[12].

No entanto, o verdadeiro poder da livre agência é o poder de vetar. Se um pensamento ocorre a um agente, então ele tem o poder de dizer “não” e interromper seu curso de ação. Em resumo, livre agência é a liberdade de não fazer. Essa compreensão não seria só consoante com a teoria da informação, mas também com a ética judaico-cristã[13]. Nesse sentido, é possível dizer que a liberdade humana é expressa pela negação de possibilidades, e que essa liberdade é renunciada quando se recusa em negar possibilidades, ou na insistência em manter todas as opções abertas. Assumindo o materialismo, que nega a liberdade de escolha do agente, então as próprias opções para compreender o mundo ficam limitadas ao mundo material, se tornando elas mesmas determinadas por leis naturais[14].

Capítulo 3 — Information as Ruling Out Possibilities

O capítulo trata do conceito de informação, conceito central da metafísica desenvolvida no livro. Enquanto base conceitual, é preciso entender o capítulo 3 até o capítulo 5 como um bloco único. Procura-se definir uma metafísica, mas também faz-se um contraste com a metafísica materialista que domina a vida intlectual moderna.

Em geral, entende-se informação como aquilo que é capaz de confirmar alguma possibilidade eliminando possibilidades concorrentes restantes. Não haveria informação se não houverem possibilidades a serem excluídas. Nesse sentido, tautologias nunca trazem informação, pois elas são sempre verdadeiras, e não há possibilidades que possam ser rejeitadas. O mesmo acontece com as contradições, que são sempre falsas[15]. Como Robert Stalnaker entende, “aprender algo, adquirir informação, é desconsiderar possibilidades. Entender a informação transmitida numa comunicação é saber quais possibilidades foram excluídas pela sua veracidade”[16]. Para exemplificar no caso da tautologia, tem-se a afirmação “hoje vai ou não vai chover”: ela não traz nenhuma informação, pois é logicamente verdadeira, não havendo possibilidades concorrentes que ela elimine. Diferentemente disso é a afirmação “hoje não vai chover”, que traz informação pois ela exclui a possibilidade restante que de “hoje vai chover”.

No materialismo, a realidade é compreendida “de baixo para cima”, no sentido de conceber tudo em partículas, campos, cordas, energia, etc. Nele, procura-se entender tudo a partir de constituintes mais básicos, dos quais todo o universo seja feito. Por isso, o materialismo trabalha na reconstituição da realidade a partir desses constituintes básicos, o que explica o impulso materialista de quebrar e separar a matéria em partes cada vez menores para entendê-las individualmente — daí a razão de ser dos modernos aceleradores de partículas[17]. O materialismo é individualista e isolativo. Uma boa analogia sobre o processo materialista de compreender a realidade usa o famoso refresco em pó Tang. O suco Tang é nada mais nada menos do que pó do suco original da fruta, e com a adição de água, procura-se imitar o suco original a partir desse pó (ver Problema Tang). O suco feito com o pó não é o mesmo que o suco da fruta, não importa o esforço que se faça para reconstituí-lo. Por isso, entende-se que no materialismo, a realidade compreendida partir de suas partes não é a realidade, mas sim apenas uma imitação ou uma sombra dela.

Já a informação é holística e relacional[18]. Não faz sentido compreender a informação de baixo para cima, como se ela pudesse ser quebrada em suas partes e depois serem reconstituídas. O processo da informação é de eliminar possibilidades. A diferença básica é que possibilidades podem ser refinadas ou alargadas, com diminuição ou aumento do zoom com que se percebe a realidade[19]. Para exemplificar, considere a afirmação “hoje vai chover”, que já se sabe representar informação. Em confronto com outra afirmação, “hoje vai chover por pelo menos 3 horas”, nota-se que esta última também representa informação, mas com um refinamento ou zoom maior sobre a realidade: não só existe a informação de que vai chover, mas também a informação da duração dessa chuva, eliminando a possibilidade de ela ser menor do que 3 horas. Em contraste ao exemplo dado, um zoom menor ou um alargamento da percepção da realidade seria feito com uma afirmação como “hoje vai ficar molhado”.

O propósito geral do uso da informação não é o de quebrá-la e separar suas partes básicas até chegar a um nível básico com que se possa reconstituir a informação original. A ideia é achar um nível razoável e claro de análise, pelo qual seja possível fazer um questionamento e com ele se produza informação. Nesse sentido, o questionamento precisa ter sua resposta situada dentro de uma classe de referência, que será chamada de matriz de possibilidades[19]. O tema das matrizes de possibilidade é tratado nos capítulos 4 e 5, nos quais será demonstrado como essas matrizes devem ser compreendidas e construídas, dentro do quadro geral da metafísica da informação.

Capítulo 4 — Possible Worlds

Esse capítulo demonstra como se deve compreender as matrizes de possibilidade. A forma como se deve construir as matrizes será abordada no capítulo seguinte.

O princípio que anima o conceito de informação é o de eliminar possibilidades. Começa-se sempre com mais e termina-se com menos, e assim, o trabalho com a informação se processa de “cima para baixo”. O processo de ir do “mais” para o “menos” constitui-se essencialmente no ato de informar, de transmitir informação. Usando a semântica dos mundos possíveis, o ato de informar é o ato de identificar, entre todos os mundos possíveis, aquele que seja o mundo real[20]. Em suma, informar é identificar o mundo real em exclusão a todos os outros mundos possíveis[21].

Por mundo real, é necessário entender o mesmo que os filósofos entendem na semântica dos “mundos possíveis”, a saber, a totalidade dos estados das coisas presentes, passadas, futuras e atemporais, quaisquer que elas sejam[22]. A grande vantagem dessa forma de abordar a realidade é que ela permite que a realidade seja descoberta seja ela qual for, sem privilégio a priori de pressuposições particulares de mundo. Dada essa liberdade, é preciso que o questionador assuma a responsabilidade de tentar compreender apenas algum aspecto do mundo real no seu questionamento, e não a totalidade desse mundo real. O foco deve se manter em contextos restritos da informação, no sentido de que o questionamento feito tenha possibilidades limitadas, na medida em que se relacione com os outros mundos possíveis[21]. Para que informação seja produzida, é preciso conhecer os limites do questionamento, e esses limites são estabelecidos na construção das matrizes de possibilidade, assunto abordado no capítulo 5.

Capítulo 5 — Matrices of Possibility

Nesse capítulo, demonstra-se como as matrizes de informação devem ser formadas, dando continuidade ao capítulo 3 e 4.

Como a informação é produzida pela realização de alguma possibilidade em detrimento de outras, então ela é uma entidade fundamentalmente relacional: as possibilidades associadas à informação só existem em relação a outras possibilidades concorrentes dentro de uma classe de referência. As possibilidades consideradas individualmente não fazem sentido em si mesmas: só fazem sentido dentro de um quadro maior de referência. Nesse sentido, entende-se matriz de possibilidade como uma coleção de possibilidades identificadas na busca de respostas a um dado questionamento[23].

A própria escolha da matriz de possibilidade[24] representa um ato informativo: na identificação de uma matriz, é necessário excluir as outras, exemplificando o processo de inclusão-exclusão característico da informação. A escolha dessa matriz visa a restringir o questionamento a um contexto limitado, a fim de que ele sirva para o progresso do conhecimento, uma vez que se o questionamento fosse totalmente aberto, ele não teria referência e não ganharia impulso para conduzir decisões. Pela sua própria natureza, todo questionamento requer limitação ou restrição. Na semântica dos mundos possíveis, entende-se que o mundo real é muito grande, não sendo possível abarcá-lo em todos os seus aspectos, assim justificando a necessidade de serem apreciados apenas alguns aspectos desse mundo. A matriz de possibilidade é, então, o arcabouço conceitual do questionamento, representando a coleção de possibilidades relevantes a tal questionamento sobre o mundo real[23].

Para construir uma matriz de possibilidade, é preciso ter certeza que a possibilidade efetiva do mundo real esteja inclusa. Aqui, o princípio em operação é o da lex plenitudinis (em oposição ao da lex parsimoniae, melhor conhecido como Navalha de Occam). Esse princípio é justificado a fim de que não haja a tendência de omitir possibilidades plausíveis do mundo real. Além disso, a construção da matriz de possibilidade dependerá de conhecimentos prévios, valores, circunstâncias locais e interesses que cercam o contexto em questão. O contexto é que determinará a plausibilidade das possibilidades e a inclusão delas na matriz[25]. É possível que o contexto mude, e nisso, as próprias possibilidades da matriz também vão mudar de acordo[26].

Voltando novamente à semântica dos mundos possíveis, o propósito do livro não é dar um aparato detalhado dessa semântica para fundamentar a noção de matriz de possibilidades. Essa fundamentação pode ser feita em conjunto com a lógica modal, mas para os propósitos do livro, basta tratar as matrizes como os conjuntos mais convenientes para representar as classes de possibilidades, ou as proposições que limitam essas classes[27].

Capítulo 6 — Measuring Information

O capítulo 6 faz uma breve exposição de como se justifica matematicamente o conceito de informação.

A informação pode ser medida. Segundo Fred Dretske, a teoria da informação mede a quantidade de informação associada ou gerada pela ocorrência de um evento ou pela realização de um estado de coisas com a redução da incerteza, com a eliminação de possibilidades representado por aquele estado de coisas[28]. A forma com a qual os teóricos da comunicação medem a informação é pelo número de bits transmitidos em um canal de comunicação. A quantidade de informação associada a um evento de probabilidade p é dada por[29]:

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Capítulo 7 — Information Theory

O capítulo 7 trata de conectar a metafísica da informação desenvolvida até então no livro (e especialmente o conceito de matriz de possibilidade) com as principais teorias da informação correntes, a saber, a teoria da informação de Shannon e de Kolmogorov.

teoria da informação de Shannon estuda a transmissão de cadeias de caracteres através de um canal de comunicação, em que os caracteres façam parte de um alfabeto fixo e finito. Nessa teoria, a matriz de possibilidade com a qual se produz informação abrange as cadeias relevantes de caracteres do alfabeto — o que confere aspecto sintático a essa abordagem. Por isso, transmitir informação na teoria de Shannon é identificar uma cadeia de caracteres dentro dessa matriz de possibilidade e enviá-la através do canal de comunicação. Assim, uma possibilidade entre tantas cadeias de caracteres foi identificada, e as outras cadeias foram descartadas, e informação foi produzida[30].

Já a teoria da informação de Kolmogorov incorpora tanto a sintática como a semântica, além da computabilidade. A teoria de Kolmogorov (também conhecida como Teoria Algorítmica da Informação) fica na intersecção da teoria da probabilidade e da ciência da computação, e procura descrever o que faz uma cadeia de bits ser aleatória[31]. De acordo com essa teoria, uma cadeia de bits é aleatória na medida em que essa cadeia seja também incompressível. Uma cadeia de 0s e 1s se torna mais aleatória na mesma medida que o menor programa de computador capaz de gerar essa cadeia se torna maior em comprimento. O comprimento do menor programa que produz uma certa cadeia de bits é a sua complexidade de Kolmogorov, ou complexidade algorítmica. Quanto menor for esse comprimento, menor é a aleatoriedade da cadeia de bits[32].

Então, no caso da teoria de Kolmogorov e no sentido da metafísica até aqui desenvolvida, a informação consiste não na identificação de cadeias individuais (como na teoria de Shannon), mas sim na identificação de coleções de cadeias que exibam o mesmo grau de aleatoriedade, calculada em termos de incompressibilidade. Essas coleções seriam as classes de equivalência de cadeias de caracteres, em que cadeias são tratadas como equivalentes se elas possuírem a mesma complexidade de Kolmogorov. Colocadas juntas, essas classes de equivalência constituem assim a matriz de possibilidade relevante para a teoria algorítmica da informação[33].

Tanto a informação de Shannon como a informação de Kolmogorov focam nas matrizes de possibilidade de cadeias de caracteres (ou nas suas classes de equivalência). Mas a informação também pode ter o seu foco no significado dessas cadeias, ainda que a mesma expressão linguística possa trazer itens diferentes de informação, dependendo de qual matriz de possibilidade ela faça parte, sujeita ao contexto de entendimento de alguém. De qualquer forma, não se deve confundir as abordagens matemáticas da informação como foram feitas por Shannon e Kolmogorov com o arcabouço geral da metafísica de informação, pois essas abordagens tem o seu devido lugar dentro desse arcabouço, mas não são coextensivas com ele[34].

Capítulo 8 — Intelligence vs. Nature?

Nesse capítulo, o autor trata de mostrar as distinções que se faz entre natureza e inteligência, ou entre matéria e design, e também de como essas distinções tornam compreensível a Teoria do Design Inteligente.

De acodo com o teórico da informação Douglas Robertson, a característica chave de agentes inteligentes (isto é, causas teleológicas que agem segundo um fim ou propósito) é a sua habilidade de criar e comunicar informação[35]. Em razão do materialismo dar primazia à matéria, a inteligência tem o seu papel enfraquecido na natureza. Ele concebe a natureza em terminologia puramente materialista e torna a inteligência um subproduto da matéria. A matéria seria fundamentalmente não-inteligente, não-teleológica[36].

Então a questão que surge é, se a natureza, concebida em terminologia materialista, possui a habilidade de criar toda a informação que nela é encontrada. Para responder a essa questão e para mostrar que a natureza puramente material não é capaz de criar toda a informação que é encontrada nela, é necessário que seja avaliado tudo o que está dentro e fora das capacidades materiais da natureza. Para isso, usa-se uma lógica de reductio ad absurdum (redução ao absurdo): assuma que somente processos materiais estejam envolvidos na obtenção de um resultado, e então, demonstra-se que esses processos enfrentam sérias dificuldades para obter tal resultado. Dentro dessa lógica, alguns requisitos são necessários:

  • os processos materiais envolvidos sejam bem conhecidos, para que se formule o argumento pelo conhecimento, e não pela ignorância;
  • não são permitidos apelos a processos materiais desconhecidos que possam produzir o resultado;
  • clareza do raciocínio feito (se estatístico, abdutivo ou dedutivo);
  • um resultado real para o qual essa lógica possa ser aplicada e mostre de forma convincente a insuficiência dos processos puramente materiais.

Esse esquema geral de refutação do materialismo será chamado de lógica refutadora do materialismo[37]. Essa lógica não pode ser simplesmente ignorada por colocar o materialismo em questão ou por ter possíveis implicações teológicas, pois cada argumento nesse molde deve ser avaliado nos seus méritos próprios. A lógica refutadora do materialismo não é inerentemente teísta. O próprio método estatístico de eliminação do acaso por meio de pequenas probabilidades[38], quando usado para a questão da origem da vida, é um exemplo dessa lógica[39].

Os antigos gregos compreendiam a diferença entre natureza e informação. Os estoicos entendiam que havia a matéria — inerte e passiva esperando para tomar forma —, e havia a informação — ativa e capaz de produzir forma[39]. Para Aristóteles, natureza e design representavam duas formas diferentes de produzir informação: enquanto o design produz informação externamente, a natureza produz internamente. Por um lado, Aristóteles caracterizou design como capacidades externas aos objetos e que são necessárias para dar-lhes forma; por outro lado, ele caracterizou natureza como capacidades internas dos objetos que os permitiam transformarem-se sozinhos sem ajuda externa[40]. Assim, o designexternalista se diferencia da natureza internalista, com a última procurando sempre as capacidades dentro das coisas mesmas para expressar informação[41].

Sempre que se atribui design a um objeto por causa de algum princípio organizacional externo ao objeto e que seja necessário para explica-lo, pode-se substituir design por natureza com um simples rearranjo daquele princípio dentro de um sistema maior que contém o objeto. Dessa forma, externalistas argumentarão a favor de design por fora desse sistema maior, e os internalistas por sua vez proporão um sistema ainda maior, que conterá mais princípios organizacionais em sua natureza interna. Essa competição entre natureza interna e design externo acaba quando se chega aos limites da natureza, do universo. É aqui, portanto, que alguns dirão que a natureza é completa em seus próprios termos, enquanto outros entenderão que a natureza seja incompleta e necessitando de algum princípio explanatório — momento no qual o design se sobressai à natureza[42].

Colocado dessa forma, se o materialismo for verdadeiro, ou seja, se a matéria é tudo o que existe, então qualquer design será apenas um item material causando uma mudança em outro item material. E como a matéria em sua raiz é não-teleológica, toda e qualquer teleologia associada a essa matéria será meramente um efeito colateral de processos puramente materiais subjacentes. Assim, o materialismo destrói qualquer teleologia na natureza[43].

Assim se chega ao esclarecimento do que trata o Design Inteligente. Design Inteligente é o estudo de padrões (por isso, design) na natureza que fornecem evidências empíricas de serem resultado de teleologia real (por isso, “inteligente”). Nesse contexto, a teleologia real não é redutível a processos meramente materiais. A definição também evita duas armadilhas linguísticas: os críticos do Design Inteligente tendem a assumir que a referência a design é sempre uma visão externalista do design na teleologia, e também assumem que a referência a “inteligente” faz com que tal design externo seja produto de um agente consciente e pessoal. Ambas as premissas são falsas[44]. Tipicamente, o Design Inteligente pode fazer uso da lógica refutadora do materialismo, o que quer dizer que, na biologia por exemplo, ele abordará a vida com olhar mecanicista apenas como medida temporária, num argumento de reductio ad absurdum para refutar o materialismo. Rejeitado o materialismo, o Design Inteligente olha para a biologia como ela é, seja qual for a sua forma[45].

Capítulo 9 — Natural Teleological Laws

Neste capítulo, Dembski trata das leis teleológicas naturais ao modo como foram sugeridas por Thomas Nagel, sugerindo que estas poderiam ser formuladas segundo está descrito nos capítulos 17 a 19 deste livro.

Em seu livro Mind and Cosmos, Thomas Nagel reconhece a falência do materialismo enquanto compreensão mecanicista da natureza, e ao mesmo tempo procura uma base naturalista para a teleologia que dá ânimo a essa natureza. Nesse sentido, Dembski, em seu teísmo não-materialista quer se juntar em causa comum a esse tipo de naturalista não-materialista, já que ambos tem como objetivo entender como a teleologia opera. Para Demsbki, é possível assim chegar a um denominador comum, e nos pontos concordantes, promover uma compreensão teleológica da natureza [46]. Em razão das terminologias diferentes usadas pelos teístas e pelos naturalistas não-materialistas, as discussões mais frutíferas sobre teleologia na natureza pode se desviar do foco. Por exemplo, a fonte primária da informação na natureza para um teísta é Deus, enquanto que um naturalista não-materialista propõe que essa fonte seja algum tipo de teleologia imanente e impessoal. Neste exemplo, os teístas tenderão a ver a teleologia impessoal e imanente como um substituto pobre para a ação divina, enquanto que os naturalistas não-materialistas tenderão a ver a ação divina como um aditivo desnecessário, ou mesmo uma distração, da teleologia efetiva da natureza[47]. De qualquer modo, ambas as partes concordam que certos aspectos informacionais da natureza vão além das meros processos materiais e, por isso, devem ter sido originados em uma fonte não-material de informação[48].

Nagel propõe compreender essa teleologia na forma de leis naturais teleológicas, e que seriam radicalmente diferentes das leis da física e da química que hoje mantém o paradigma das leis da natureza. Tais leis teleológicas se encaixariam bem no arcabouço conceitual da informação[49]. No livro, Nagel faz algumas sugestões de como essas leis naturais teleológicas poderiam ser. Como ele é um naturalista, Nagel enxerga a natureza como sujeita a limitações físicas, as quais ele chama de leis da física e que não são deterministas, ou seja, elas permitiriam algum grau de liberdade na natureza. Essas leis permitem uma liberdade tal que, para que a natureza exiba teleologia, ela deveria produzir eventos de probabilidade muito baixa. Dada as distribuições de probabilidade compatíveis com essas leis e constantes físicas, eventos teleológicos naturais requeririam um verdadeiro milagre probabilístico[50]. Como isso se encaixa no nosso arcabouço conceitual da informação?

Dentro desse arcabouço, quando um aspecto natural é tratado dentro de uma matriz de possibilidade, ele tem uma distribuição de probabilidade associada, advinda das restrições físicas, das leis da física. No entanto, essa distribuição é espalhada, tornando difícil separar aquelas possibilidades que sejam teleológicas, as quais chamaremos de alvos, e que tenham probabilidades altas o suficiente para que possam acontecer realisticamente. Então, quando a natureza é entendida dessa forma, ela faz uma busca cega (já antecipando aqui o que será discutido nos capítulos 17 a 19), a qual assinala probabilidades muito baixas àqueles alvos que seriam esperados caso a natureza fosse teleológica. É aqui que entra um dos requisitos de Nagel para as leis naturais teleológicas: essas leis existiriam para que as probabilidades fossem mais elevadas nos caminhos do espaço de estados que levassem aos alvos da natureza, tornando possível que esses alvos fossem atingidos de modo realista pelas leis naturais. Aqui, espaço de estados se refere à representação multidimensional de natureza, no qual cada ponto fosse um modo em que a natureza como um todo pudesse ser, e um caminho nesse espaço de estados seria o que representa as mudanças da natureza com o passar do tempo[51]. Mais detalhes sobre essa busca serão vistos nos capítulos 17 a 19. Já adiantando, essas leis teleológicas seriam idênticas às buscas direcionadas descritas nestes capítulos. Além disso, todas as buscas estão sujeitas à Lei de Conservação da Informação, a qual quantifica a informação que essas leis poderiam possuir[52].

Diferentemente de Nagel, Dembski não está convencido de que essas leis naturais teleológicas favoreceriam uma compreensão teleológica natural e imanente em relação à compreensão teleológica teísta e intervencionista. Assim como Nagel admite, ambas as formas de teleologia seriam indistinguíveis empiricamente[53].

Capítulo 10 — Getting Matter from Information

Os capítulos de 10 a 13 podem ser lidos em bloco. Nesse bloco, fundamenta-se o modo como a informação deve ser compreendida enquanto substância real e fundamental da universo, e como a matéria e a energia são emergentes da informação.

No capítulo anterior, Dembski tratou das leis teleológicas naturais e do modo como elas poderiam ser. Nesse sentido, o que seria a matéria em face dessas leis? Nagel usa a lógica refutadora do materialismo para argumentar em favor das leis teleológicas naturais, e portanto, a matéria não deve ser tudo o que existe na natureza; deve existir algo mais. Dembski argumenta que a substância fundamental da natureza é a informação, e é neste capítulo que ele procura demonstrar que a própria matéria é uma forma de informação[53].

Segundo o fundador da Cibernética, Norbert Wiener, “Informação é informação, não é nem matéria e nem energia. Nenhum tipo de materialismo que não admita isso poderia sobreviver hoje[54]. A habilidade que a matéria tem de carregar informação não representa nenhum problema, já que esta pode ser instanciada na matéria. Mas será que o materialismo poderia nos dizer o que é a informação? Ou será que a própria matéria é um tipo de informação? No materialismo, quando a matéria carrega informação, ela o faz no sentido de que forças não-teleológicas da natureza sejam a causa dessa informação[55]. Então, o universo é concebido como um gigantesco jogo de bilhar, no qual as bolas (ou seja, as unidades materiais) interagem de modo mecânico com outras bolas (outros itens materiais), oferecendo dessa forma uma visão simples e facilmente concebível daquilo que constituiria toda a realidade. Mas há um problema: a matéria é uma abstração feita através de várias percepções que temos dos objetos com os nossos sentidos, o que dificultaria fazer da matéria como base de uma ontologia. Então, não há problemas em ser um materialista, desde que isso seja entendido como um pressuposto de fé. No entanto, não é este materialismo fideísta que é encontrado, mas sim um materialismo científico, que procura justificar o materialismo com base na ciência, mais exatamente no sucesso que a ciência conquistou ao procurar descrever o mundo apenas em termos materialistas[56]. Mas o sucesso da ciência é um fator temporário, e o máximo que temos a dizer é que esta ciência tem tido sucesso no modo em que é conduzida hoje, não havendo nenhuma garantia de que ela continuará sendo bem sucedida no futuro sob princípios materialistas. O materialismo é, portanto, uma hipótese de trabalho para a investigação e compreensão de alguns aspectos da natureza. Isso estaria longe de uma crença dogmática no materialismo enquanto filosofia obrigatória para qualquer um que queira compreender a natureza da natureza[57].

Uma ciência empírica nunca observa a “matéria” enquanto tal; a matéria é uma inferência feita a partir da observação. É a observação, portanto, que vem anteriormente à matéria. A ciência como conduzida hoje tende a adotar o materialismo, ou uma versão mais branda dele, o materialismo metodológico. A filosofia, que exige consistência e coerência num sistema de pensamento, descobriu que o materialismo é muito difícil,, senão impossível, de ser justificado como filosofia básica. A razão disso é que a observação, enquanto fator anterior à matéria, não poderia nos dizer que vem antes dela mesma: não é possível sair do ato observacional e verificar que a realidade realmente confere com a observação. Então, de onde vem a confiança de que a observação oferece de fato a visão verdadeira do universo?[57] George Berkeley virou este problema de ponta-cabeça, dizendo que não existe um universo independente da mente para ser observado, mas existe a mente que, em seu ato observacional, daria realidade às coisas. Para ele, existir é ser percebido, o que torna os objetos materiais como sendo expressões mentais, e não o contrário, como pensam os materialistas. O que a mera observação nos oferece é somente uma experiência sensorial. Infelizmente, mesmo que a percepção sensorial esteja articulada em linguagem formal e seja sintetizada com uma lógica poderosa, não seria possível ir muito longe da própria experiência, e certamente não levaria também à riqueza ampla da realidade quando se procura compreender coisas como a bondade, a verdade ou a beleza[58].

No capítulo 3, o Problema Tang foi considerado em relação ao materialismo, o que levou à conclusão de que a matéria, quando tomada nas suas partes mais elementares e reconstituída, não é capaz de renderizar toda a realidade[59]. O problema do materialismo e do empirismo em reconstituir o mundo, seja em partículas elementares ou em experiências sensoriais, é em suma informacional. Quando se faz ciência, nem a matéria nem a experiência sensorial são obtidas em estado puro. Na verdade, são encontrados alguns padrões, em exclusão a outros, ou seja, são encontradas informações[60]. A ciência estuda processos que deixam rastros, que por sua vez exibem padrões característicos em exclusão a outros. No fundo, o que a ciência estuda é a informação. É interessante que os objetos físicos sejam compreendidos como reais, mas a sua realidade só é percebida por causa dos padrões que eles apresentam. Como regra geral, nós conhecemos as coisas pelos padrões que elas apresentam[61].

De acordo com esta visão informacional da realidade, tudo o que é real é capaz de produzir um conjunto característico de padrões. Em outras palavras, dizer que uma entidade existe, ou dizer que ela é real, é dizer que essa entidade é capaz de produzir certos tipos de padrões em detrimento de outros. Em termos aristotélicos, poderíamos dizer que a realidade é medida quanto ao seu potencial de produzir informação. E onde esses padrões estão? Eles estão no mundo real, e eles são descobertos enquanto se tomam as matrizes de possibilidades, dentro das quais se identifica aquelas possibilidades que foram realizadas em exclusão às outras. Esta abordagem informacional da realidade também não viola o empirismo, pois a observação nos diz qual foi a possibilidade que foi realizada dentro da uma matriz de possibilidades, ou seja, o papel da observação continua sendo crucial dentro dessa abordagem. Além disso, o questionamento científico, feito com essa abordagem, deixa de ter as pretensões de ser independente do contexto e também de ser feito a partir de experiências sensoriais elementares, já que estas nunca vêm isoladas, mas são concebidas conforme o interesse ou o conhecimento prévio do experimentador. É a matriz de possibilidade que revela esse interesse ou conhecimento prévio, e direciona as percepções para certos padrões em detrimento de outros[62].

O que tudo isso teria a dizer sobre a matéria? A matéria, sendo uma abstração feita a partir de diferentes tipos de objetos, não é capaz de deixar algum rastro característico padrão, e por isso, do ponto de vista da informação, a matéria não existe. Poderiam existir diferentes tipos de matéria, desde que esses tipos exibissem características padrões em circunstâncias concretas em relação a outras coisas já existentes, assim fazendo sua realidade conhecida através desses padrões. A matéria, em si mesma, não é real mas é somente uma abstração. Dessa forma, o materialismo continua sendo uma opção válida, mas precisaria a partir de agora se demonstrar verdadeiro, em vez de arrogar para si mesmo privilégios que não for capaz de sustentar. O modo pelo qual tal demonstração poderia ser feita seria pela catalogação de objetos materiais fundamentais e seus padrões característicos, com os quais a realidade tal como a conhecemos poderia ser reconstruída[63]. A proposição de que “tudo seja material” precisaria ser provada antes, o que continua sendo permitido: a matéria não como abstração, mas sim nas suas formas particulares, formas às quais nós deveríamos recorrer[64].

Surge, ao final, a questão: o que é mais real, os objetos materiais ou a informação característica dos objetos materiais? Dembski diz que é a informação. Para ele, nós nunca poderíamos sair por fora da informação para compreender a matéria como tal. Nós vivemos, nos movemos e existimos dentro de uma matriz de informação, e não há como sair para fora dessa matriz. Além do mais, de acordo com a narrativa da criação segundo a tradição judaico-cristã, é possível que o lado de fora nem exista. Esta tradição religiosa ensina que a criação seria o primeiro ato informativo, efetuado pela palavra de Deus. Nesse sentido, a busca por um substrato mais básico do que a informação seria inútil, e tal busca nunca sairia desse circuito da informação[64].

Capítulo 11 — The Medium and the Message

Poderia haver a impressão de que Dembski estivesse argumentando em favor da primazia e suficiência apenas da informação para a realidade, mas é apenas uma impressão. Para ele, a informação é produto de uma inteligência criativa. Como teísta que é, ele entende que Deus seja essa realidade primária. Mas o problema não é a primazia da informação ou de alguma inteligência para a metafísica, mas sim a primazia da informação para a ciência. A argumentação será de que é a informação quem deveria ser a entidade primária e o objeto próprio de estudo da ciência, e não a matéria[65].

Materialistas veem o mundo natural como se fossem apenas matéria de cima abaixo. Realistas informacionais, como Dembski, veem o mundo como informação de cima abaixo. Neste ponto, conceber o mundo enquanto uma combinação de informação e matéria parece ser o curso menos radical e mais razoável[65]. O hilemorfismo aristotélico já concebia as substâncias como sendo uma combinação de matéria (do grego ὕλη — hyle) e forma (do grego μορφή — morphē), e essa mesma concepção costuma vir à tona em discussões sobre informação. Assim, vamos manter a ideia de que “a informação é real e palpável” mas ela “não poderia existir sem uma representação em um meio físico”[66]. O título deste capítulo veio dessa distinção.

É verdade que a informação sempre possui um meio, mas não está nada claro que este meio precisa ser físico ou material. Entende-se aqui que a fisicalidade ou a materialidade desse meio não seja compreendida em qualquer sentido informacional. Dembski argumenta que o meio, assim como a mensagem, também é inerentemente informacional[67]. Para justificar isso, Dembski dá o exemplo de um computador comum, mas poderoso, no qual esteja instalado um sistema operacional moderno, como o Windows 7. Existem softwares mais antigos que já não são executáveis nesta versão de Windows, mas ainda seriam executáveis num sistema operacional mais antigo, como o Windows XP por exemplo. Por isso, para executar esses softwares mais antigos nesse mesmo computador, será necessário criar uma máquina virtual no Windows 7, e esta máquina virtual por sua vez teria como sistema operacional o Windows XP. Dessa forma, é possível executar os softwares mais antigos — que seriam compatíveis com o Windows XP — nessa máquina com Windows 7, ainda que este sistema operacional não seja mais compatível com os softwares antigos. Simula-se um sistema operacional (no exemplo, o Windows XP) dentro de outro sistema operacional (no exemplo, o Windows 7). No exemplo, será que a simulação acabaria no Windows 7, o qual é executado numa máquina física e real? Mas a própria máquina que executa é ela mesma um conjunto de itens materiais arranjados e coordenados de tal forma que seja possível executar nela um sistema operacional como o Windows 7. Portanto, esse computador é ele mesmo um objeto físico muito rico em informações[68].

Percebe-se então que a combinação entre matéria e forma, na compreensão do hilemorfismo aristotélico, não é sempre aplicável, como no exemplo ilustrado. É possível processar informação na ausência de matéria. Todos os computadores que existem são aproximações finitas da Máquina de Turing, que é uma construção puramente matemática e que também pode ser descrita em 0s e 1s — senão não seria possível simular o Windows XP dentro do Windows 7. A conclusão que é nossos computadores também são “informação de cima abaixo”[68]. Alguns teóricos levam a sério a possibilidade de que o nosso universo seja um imenso simulador computacional, que esteja sendo executado não em um circuito integrado, mas em um construto puramente matemático, como a Máquina de Turing[69].

Enquanto isso, a matéria — entendida como um substrato não-informacional — parece ser dispensável por completo da ciência, e quem sabe da metafísica. Tomando o princípio da parcimônia, seria adequado dar foco para a informação, mas ainda sem dispensar a matéria por completo, pois ela ainda serve como uma conveniência para o pensamento, da mesma forma que os numerais arábicos são uma conveniência para os matemáticos pensarem sobre os números. A conveniência é justificada pelo fato de que é pela experiência sensorial da matéria que os padrões informativos serão notados, como se estes padrões estivessem instanciados na matéria[69]. Se não for uma abstração vazia, a matéria sempre assume formas bem definidas, e sempre que ela for estudada, serão encontrados mais e mais padrões informativos. Por isso, enquanto compreendida como uma entidade metafísica, a matéria não parece ter razão para existir. Enquanto conveniência para o pensamento, sem problemas. Se a realidade de alguma coisa é definida em termos do seu potencial de produção de informação, identificada dentro de uma matriz de possibilidade, então a matéria é uma abstração vaga. Diferentemente disso, os variados tipos de matériaassumem formas características, dentro das quais sempre se encontram padrões dentro de padrões informativos. Com todo o respeito que a mitologia merece, a matéria é um mito[70].

Capítulo 12 — Embodiment and Transposition

Poderíamos definir matéria como um meio para a informação, mas essa definição daria margem para interpretações e compreensões estranhas[71]. Tal definição já seria inadequada pelo fato de que a informação (a mensagem) está sempre “incorporada” em algo diferente, e esse algo diferente pode ser ele mesmo informação. O informans (aquilo que realiza o processo de informar, isto é, a mensagem) será sempre distinguível do informandum (aquilo que está sendo informado, isto é, o meio). Pode parecer fazer sentido definir matéria como informandum, mas a matéria enquanto tal está tão associada ao fisicalismo e aos fenômenos sensoriais — ou seja, tipos específicos de informanda (plural de informandum) que carregam padrões os quais provocam nossos sensos —, que será melhor usar outra terminologia. O meio para a informação será então denominado incorporação: a informação está sempre incorporada, e a sua incorporação é o meio da mensagem; a própria incorporação, quando analisada em si mesma e não como carregadora de informação, será sempre informacional também. Quando existe uma relação informansinformandum, o próprio informandum pode ser concebido como informans ou como conjunto de informantia (plural de informans), e essa cadeia de relacionamentos pode continuar indefinidamente[72].

Para Dembski, esses relacionamentos não seriam a substância primária da realidade, a qual reside em Deus, a inteligência superior. Todas as informações seriam criadas por esta inteligência, ou por inteligências criadas por esta inteligência superior, ou seja, dela derivadas. No entanto, as relações informansinformandum poderiam regredir indefinidamente. Em termos de entidades materiais, a lição aprendida da física das partículas é a de que tem sido necessários níveis cada vez maiores de energia para descobrir novas entidades materiais. Mas em termos de entidades matemáticas, se tomarmos a teoria dos conjuntos padrão, tudo parece se reduzir ao conjunto vazio[73]. Mas será que a realidade física é, no fim, apenas uma expressão da realidade matemática, sendo o conjunto vazio a entidade informacional básica de toda a realidade assim como a conhecemos? Sendo teísta cristão e portanto, entendendo que a sabedoria e o poder de Deus sejam inescrutáveis, Dembski não se surpreenderia se Deus permitisse um regresso infinito de informação e incorporação que refletisse a Sua própria inescrutabilidade, ao menos em termos de matéria física[74].

É evidente que a informação vem sempre incorporada, mas o que não é tão evidente é se a informação pode ser sempre reincorporada. Quando a matéria que incorpora informação se desintegra, tende-se a pensar que a informação foi perdida. Mas em princípio, a mesma informação poderia ser recuperada e instanciada em outras incorporações. A informação é instanciável múltiplas vezes, e dizer isso é dizer que a mesma informação pode ser reapresentada em diferentes incorporações, ou seja, uma transposição. A incorporação material da informação poderá ser sempre destrutível, mas a informação propriamente dita é transferível a outras incorporações, sendo portanto indestrutível, ou até mesmo eterna[74].

O processo de transposição é familiar. A Quinta Sinfonia de Beethoven é uma obra orquestral riquíssima, mas é possível apresentá-la apenas num piano. Este seria um tipo de transposição de um meio rico para um meio mais pobre[75], mas não é sempre esse o caso. É possível fazer transposição de um meio pobre para outro mais rico, como por exemplo, um jogo de xadrez para computador. Em um computador menos poderoso, o número de cálculos realizados por ele para que uma jogada seja feita será menor do que se o jogo estivesse instalado num computador mais poderoso. Portanto, a tendência é que o computador mais poderoso faça melhores jogadas, uma vez que a mesma informação (o jogo de xadrez) está incorporada num meio mais rico[76]. Outra forma de transposição muito comum vem na forma de danos, ou destruição. Por exemplo, um livro pode ser danificado a ponto de a sua leitura ou sua compreensão ser afetada. Uma frase ou expressão chave do livro, se não puder ser lida, afetaria gravemente a compreensão do livro. De forma similar, o cérebro humano envelhece, ou adoece (no caso da doença de Alzheimer). Neste caso, a transposição de informação do mundo para a pessoa ocorre de modo destrutivo, afetando a capacidade de uma pessoa para pensar, sentir ou agir[77].

Capítulo 13 — Energy

Das ciências naturais, entende-se que existe uma relação direta entre matéria e energia. Então, se a própria matéria — compreendida nos seus diversos tipos — é também um tipo de informação, a energia também deve o ser. Mas de que maneira a energia poderia ser compreendida como informação?

O conceito de matéria é reducionista, no sentido de que qualquer item material é sempre compreendido em termos de outros itens materiais menores que, em conjunto, o compõem. Assim, relações de todo/parte são intrínsecas da matéria, e qualquer informação que essa matéria represente é reduzida a como essas partes estão estruturadas no todo. O materialismo, portanto, tende a possuir uma visão estática da informação, na qual esta matéria só carregará a informação e não irá perdê-la caso os seus constituintes materiais estejam bem arranjados e sem perigo de rearranjo. Porém, na maioria das situações, a informação não é estática, mas sim dinâmica. O armazenamento de informação é um aspecto importante, mas o processamento dela também é. Ademais, nada na experiência cotidiana consegue preservar informação eternamente. Qualquer coisa que exiba informação teve, em algum momento, de recebê-la de algum lugar. Mas o que explica essa dinâmica da informação? A resposta mais comum para essa pergunta é energia. Sendo assim, a informação sozinha seria capaz de oferecer uma visão completa da ciência? E a energia para explicar o dinamismo dessa informação? Neste capítulo, Dembski demonstra que a energia não interfere na ideia da primazia da informação para a ciência ou para nossa compreensão do mundo[78]. Ele argumenta que a energia é inferida a partir da informação, e não o contrário. Falar de energia é importante, pois ela seria a causa que conecta diferentes informações num universo informacional[79].

No materialismo, toda causalidade física é reduzida a transferências de energia, em que uma causa material traz um efeito também material[79]. Mas até que ponto a informação dependeria desse tipo de transferência de energia? A informação que é encontrada na matéria deve, primeiro, ter sido transmitida para ela. No materialismo, essa transferência de informação foi mediada por transferências de energia que poderiam ser rastreadas em termos de causas físicas aceitáveis dentro do materialismo. Há assim uma limitação do conceito de energia, a qual entenderia qualquer transferência de informação somente a partir de transferência de energia com bases materiais. Dembski chama essa energia de energia material. Assim, qualquer informação nova que passe a existir só poderia ter tido uma energia material que a tenha causado[80]. Mas o que seria essa energia material?

Para responder a isso, é necessário fazer distinção entre relações causais materiais e relações informacionais. Sempre que alguma informação é transmitida, um relação informacional é estabelecida entre dois terminais de comunicação — o remetente e o destinatário —, e tal relação é compreendida em seus próprios termos, sem necessidade de referência a qualquer entidade ou processo físico que conecte esses dois terminais. A relação informacional existe, mesmo sem referência ao fisicalismo[81]. Portanto, o requisito materialista de que as relações informacionais entre dois terminais deva ser mediada por relações causais materiais só poderia ser justificada na pressuposição do materialismo, que é o que se está discutindo. Não existem evidências independentes para esse requisito. Pelo contrário, é possível achar evidências empíricas de energia não-material, ou seja, de relações informacionais que transcendem as relações causais[82].

Se rejeitamos o materialismo, é possível acreditar em milagres. Porém, milagres são eventos raros e isolados, que acontecem com certos indivíduos em circunstâncias particulares. Mas existem fenômenos mais frequentes, como as Experiências de Quase Morte (EQM). Algumas EQMs acontecem com pacientes que estiveram em sala de operação, inconscientes, e que ainda assim contam que tiveram experiências fora de seus corpos, presenciando fatos acontecidos no hospital enquanto estavam sendo operados. Essas experiências são ainda mais interessantes quando são contados fatos que eles não poderiam ter imaginado, e que possam ser verificados[83]. No entanto, o ponto principal não é provar que as EQMs ou outros tipos de fenômenos similares sejam evidência da existência de energia não-material. O ponto é mostrar que as relações informacionais são logicamente anteriores às relações causais materiais. As relações informacionais primeiro precisam ser reconhecidas como tal para que se deduzam delas as relações materiais[84].

De modo geral, portanto, sejam os questionamentos científicos ou não, qualquer tentativa de explicar as transferências de energia, a primeira coisa que é percebida é a relação informacional, e só a partir de então é que se procura explicar como a energia material deu origem a essa relação. Algum tipo de energia deve explicar a relação informacional, e a pressuposição inicial é que seja uma energia material. Se não for, a energia deve ser não-material. Em todo caso, percebe-se que a energia veio logicamente depois da informação, sendo aquela usada para explicar esta. A energia é sempre deduzida da informação, e não o contrário[84].

Capítulo 14 — An Informationally Porous Universe

Para o materialismo, o universo é um sistema de causas fechado em si mesmo, causas essas provenientes sempre de leis naturais invioláveis e não teleológicas. Isso significa que não haveria qualquer transferência de informação dentro do universo sem uma correspondente transferência de energia material, o que corresponderia a alguma causa física realizando essa transferência de energia. Portanto, qualquer entrada de informação nesse universo já excluiria a possibilidade de transferências de informação oriundas “de fora” desse universo. Então, o universo é um sistema fechado de informações, já que ele também é um sistema fechado de causas físicas. Neste capítulo, Dembski mostrará que o materialismo não pode fazer tal conclusão: é possível que o universo seja um sistema aberto de informações, ainda que seja um sistema fechado de causas físicas. O teísmo tradicional estaria em jogo no caso de o universo realmente ser um sistema fechado de informações, já que os teístas entendem que o universo está aberto para a ação divina. No entanto, Dembski mostra que o fechamento causal do universo não afeta em nada a entrada de novas informações no universo e nem a ação divina[85]. Muitos ateus imaginam que o universo — como sistema fechado de causas físicas — fecha as portas para a ação divina. Dembski mostra que esse fechamento causal implica num universo informacionalmente poroso e aberto a informações “de fora”. Isso não implica que realmente exista um lado de fora, mas sim que não se pode concluir que o fechamento causal do universo implique um fechamento informacional[86].

Consideremos primeiro os modelos não-deterministas do universo. Esses modelos são oferecidos pela mecânica quântica, e neles, o universo é visto logo de imediato como sendo aberto a novas informações. Nesse universo se produzem eventos aleatórios em aparência, nos quais se possa perceber ocasionalmente padrões de eventos que se sobressaem à mera aleatoriedade, da mesma forma que um sinal se sobressai a ruídos. Tais padrões podem ser interpretados como se fossem informações novas sendo introduzidas no universo pelo lado “de fora”, e nenhuma lei física teria sido violada[86]. Por exemplo, a ação divina pode ser realizada dessa forma: a divindade cooperaria no arranjo dos resultados não-deterministas, canalizando assim a energia material e sem violar qualquer princípio que governa a matéria. Se é assim mesmo que a ação divina opera, então o problema de achar a energia material extra para a realização dessas ações já não existiria mais: a introdução de informações novas é feita sem a introdução de energia. Além disso, não faria sentido questionar por um “mecanismo” de ação divina, já que Deus não possui corpo e não interagiria com o mundo de modo mecânico. O não-determinismo significaria que Deus poderia afetar a estrutura e a dinâmica do universo pela introdução de informação sem energia material extra. Porém, as vezes o não-determinismo é entendido como se fosse não-causalidade, ou seja, um evento não-determinístico é visto como se não tivesse causa alguma, ou uma causa incompleta. Essa visão só procede se o “acaso” for visto como primário, e os padrões que emergem dele como se fossem anomalias derivadas desse acaso[87]. No entanto, essa visão não parece fazer sentido, pois só se poderia dizer que um evento veio aconteceu por acaso se não houver nenhum padrão de informação subjacente que o explique[88]. Portanto, são os padrões de informação que devem ser primários. Logo, esses modelos não-deterministas do universo permitiriam que Deus agisse no nível quântico. Dembski diz que é atraído por essa visão, mas ainda não está convencido por completo[89].

Considerando modelos deterministas do universo, é possível também haver um universo aberto a informações novas, ainda que ele seja fechado em termos de causas físicas. Pode parecer contra-intuitivo, mas não. O fechamento causal num modelo determinista apenas impediria o que se chama de intervenção substitutiva, que seria a substituição de um evento que iria acontecer — dada a estrutura causal do universo — por outro que não iria acontecer. Porém, o determinismo causal não impediria um arranjo da estrutura inicial do universo, a qual poderia fazer acontecer eventos materiais desejados segundo leis naturais, mesmo que estes eventos pareçam ser extraordinários ou sugiram que alguma divindade esteja atuando naquele momento específico. Seria necessário que Deus criasse toda a informação no começo, e esta viesse a se manifestar nos lugares e momentos apropriados. Isto não é uma ideia nova: Santo Agostinho sugeriu algo muito semelhante na obra Literal Commentary on Genesis, dizendo que Deus lançava sementes na natureza e que elas só germinavam nos locais e momentos desejados. É implícito também na Teodicéia de Leibniz, que argumentava sobre uma harmonia pré-estabelecida, na qual os propósitos divinos e os efeitos materiais sempre se seguem um ao outro. Também, Charles Babbage, o inventor do computador digital moderno, dizia que Deus teria instalado na natureza programas computacionais que eram ativados em tempos e locais específicos. Tal ideia apareceu na sua obra The Ninth Bridgewater Treatise, mais de duas décadas antes que Darwin lançasse A Origem das Espécies[90]. Para ir ainda mais longe nesse raciocínio, o filósofo da ciência Michael Polyani diz que as leis naturais assumem formas matemáticas nas quais certas constantes e parâmetros devem estar muito bem ajustadas. Mas ainda assim, para que essas leis descrevam eventos com precisão, certas condições de contorno precisam ser consideradas, e que não dependem das leis naturais. Por exemplo, quando uma bola é lançada de uma torre, a lei da gravidade descreve o movimento, sendo necessário porém conhecer a altura da torre, que é a condição de contorno. Todas as possíveis condições de contorno na natureza permitem inúmeros graus de liberdade, e os eventos resultantes de multiplicidade dessas condições poderão ser comuns, ou extraordinários, sem violar qualquer lei natural. Assim, a informação trazida por esses efeitos é decorrente da informação das condições de contorno iniciais[91].

Mesmo num universo totalmente determinístico, Deus poderia tê-lo arranjado logo no começo de tal forma que acontecessem nesse universo os eventos mais inesperados — incluindo atos de providência específicos e que aparentam ter sido fruto de interferência em tempo real, quando na verdade, tais atos já tivessem sido programados em primeira mão. Assim, um universo aberto a interferências divinas em tempo real seria empiricamente indistinguível de um universo fechado causalmente, que possua leis naturais invioláveis (sejam estas determinísticas ou não-determinísticas), desde que Deus ajuste o desenrolar dos eventos desde o início. Em resumo, a estrutura causal do universo não impede de modo algum que Deus introduza novas informações para que seus planos aconteçam, independentemente do modelo a ser adotado. Essas informações novas não dão a entender sempre que um milagre tenha acontecido. Qualquer que seja a compreensão que alguém tenha sobre a estrutura causal do universo, o teísmo é sempre uma opção válida, mas o deísmo não. Todos os modelos de universo oferecidos pela ciência possuem poros de informação[92].

Capítulo 15 — Determinism

Neste capítulo, Dembski faz uma análise do determinismo, segundo a metafísica da informação.

É bastante comum pensar que o universo poderia ser diferente de modos muito variados. No entanto, após um pouco de reflexão, algumas pessoas costumam desafiar essa afirmação, alegando que tudo acontece por uma razão, e que quando essa razão é conhecida, seria inevitável que algo diferente tivesse acontecido. Isto é, tomou-se uma postura determinista. A ideia de contingência, em que possibilidades mutuamente exclusivas podem ser resultado de algum evento, é incompatível com o determinismo. Do determinismo, decorre um regresso em que se questiona que estado de coisas anterior teria determinado o atual estado de coisas, e que estado teria determinado aquele estado anterior, e assim por diante. Mas onde esse regresso terminaria? Para alguém que fosse teísta e determinista, seguindo a tradição calvinista-augustiniana, este regresso terminaria no ato da criação de Deus. Mas para quem fosse materialista, então não haveria para onde ir a não ser o próprio mundo material, e todas as relações de causa e efeito ficam dentro dele[93]. No entanto, ainda dentro do contexto do determinismo metafísico, a questão da contingência sempre reaparece. Quando se descobrem as relações de causa e efeito localmente, as contingências locais são eliminadas, mas logo procura-se estabelecer tais relações em sistemas maiores, até chegar ao limite final, que é questionar sobre o universo como um todo. Essa questão pode ser tratada de três modos diferentes: ser ignorada e não ser respondida, tratando o determinismo local como um fato bruto; ou pela aceitação um determinismo local, mas aceitando também a possibilidade de contingência global; ou negando qualquer tipo de contingência e tentar justificar tanto localmente como globalmente o determinismo[94].

O materialismo costuma argumentar em favor de um determinismo que faz do universo algo muito maior do que ele realmente seja. Por exemplo, no materialismo epicurista, o universo era eterno e infinito. Num universo assim, tudo o que for possível de acontecer realmente acontece em algum local do universo, não apenas uma vez mas infinitas vezes[94]. Cosmologias inflacionárias tendem a ir nesta direção. O exemplo mais atual deste tipo de materialismo é o multiverso quântico, no qual tudo o que for fisicamente possível de acontecer, acontece de fato no multiverso, que seria o verdadeiro universo. O principal recurso materialista para evitar a contingência é fazer com que todas as possibilidades sejam iguais, no entanto, em tese, este apelo deveria ser muito bem justificado cientificamente. O que se percebe é que é apenas mais cômodo para o materialismo fazer esse tipo de apelo, não havendo qualquer tipo de justificativa para manter as probabilidades iguais. Por que o universo tem o formato que possui? Por que as leis que governam o universo demonstram possuir um ajuste fino que sugere uma inteligência por trás? Por que a vida parece possuir sinais claros de inteligência? Ao declarar que todas as probabilidades são iguais, o materialismo simplesmente ignora esses questionamentos, dizendo apenas que qualquer coisa que possa acontecer, de fato acontece, e fim de papo. Mas onde estão as evidências de que as outras possibilidades sejam tão reais quanto?[95]

A ciência, como um empreendimento empírico, depende fundamentalmente da observação, e a observação é a confirmação de uma possibilidade em exclusão a outras. Em suma, a observação pressupõe contingência, e oferece como resultado a informação. Ao contrário disso, o determinismo puro — que nega qualquer tipo de contingência — mantém todas as portas abertas eternamente: não como razão prática, mas como princípio metafísico. Assim como o solipsismo pode evitar contradições lógicas, negar as contingências pela via das possibilidades sendo sempre realizadas em algum lugar, também evita. No entanto, a ausência de contradições lógicas não é um critério muito amplo na busca pela verdade. Sentimos no fundo que o universo em que habitamos poderia ser diferente, e em determinados momentos, torna-se necessário descobrir a razão pela qual não foi diferente. O determinismo global, eliminando todas as contingências, contradiz com essa intuição tão profunda, e trivializa nosso papel no mundo enquanto agentes que possam fazer alguma diferença[96].

Capítulo 16 — Contingency and Chance

Neste capítulo, Dembski trata da noção de contingência, noção oposta à de determinismo, segundo a metafísica da informação.

De modo geral, a contingência pode ser percebida de duas formas: contingência do universo como um todo, olhando para a estrutura mesma do universo com respeito às suas leis, constantes e condições de contorno; ou contingência dentro do universo, olhando para o desenrolar de eventos no universo. O materialismo rejeita a contingência do mundo tomado em sua totalidade, pois, se a estrutura do universo fosse contingente, então por que ele tem especificamente essa estrutura e não outra? A resposta teísta é a de que Deus, num ato informativo, trouxe à existência esse universo em exclusão a outras possibilidades, usando de sua livre agência. A resposta materialista é a de que o acaso trouxe à existência o universo sem qualquer inteligência por trás; no entanto, esta resposta está repleta de problemas. Esse apelo ao acaso segue esta linha de raciocínio: a de que o universo surgiu de uma flutuação quântica, que aconteceu de certa forma e não de outra. Mas, se o universo surgiu dessa flutuação, por que ela teria sido a única flutuação? Por que não teriam ocorrido outras flutuações, dando origem a outros universos? Fazer esse apelo ao acaso, leva inevitavelmente à ideia do multiverso, no qual todos os possíveis universos vêm à existência, e tudo o que for possível acontecer, acontece efetivamente em algum desses universos, retornando ao determinismo do capítulo anterior. Invocar o acaso para explicar a origem do universo acaba sendo um argumento pela ignorância[97].

O “acaso” torna-se algo vazio de sentido se for usado para explicar a existência do universo. Haveria um apelo legítimo ao acaso se fosse possível obter um conjunto de valores de probabilidades para os diferentes universos, mas isso não é possível. Desconhecemos essas probabilidades não por sermos meramente ignorantes delas, mas sim por não ser possível não sermos ignorantes delas. A teologia costuma sugerir que Deus estaria inclinado a criar alguns tipos de universos, dando peso a algumas probabilidades. No entanto, tais probabilidades são muito especulativas. O grande problema é que as condições prévias para dar origem ao universo não podem ser inferidas a partir das condições pelas quais este universo funciona[98]. Ademais, para obter tais probabilidades seria necessário presumir o olhar de Deus, posição esta que estaria de fora do universo e que explicaria como este veio a existir. Como humanos, não é possível ter essa presunção. Portanto, nesse caso, nenhum tipo de evidência confirmaria o acaso; por outro lado, haveria alguma evidência favorável à existência de Deus[99].

Vale a pena aqui considerar as implicações dessa dificuldade de obtenção das probabilidades para os argumentos de ajuste fino do universo. Esses argumentos propõem que a faixa extremamente estreita de possíveis valores para os parâmetros do universo apontariam para a existência de alguma causa inteligente ou teleológica. Tais argumentos certamente fazem uso da mesma lógica de redução da incerteza, pela obtenção de valores em detrimento de outros, característica básica da informação. No entanto, medir essa informação é algo problemático, pois esses valores estão sujeitos à forma como nós humanos os medimos. Sem uma distribuição de probabilidades para os parâmetros do universo, não há como dizer se eles seriam já prováveis de acontecerem ou não[99]. Sem dúvida esses argumentos são atraentes, mas não parece haver algum método rigoroso de inferência estatística para obter tais probabilidades, já que estas não podem ser medidas por nenhum processo observável. A própria observação dessas probabilidades já depende do ajuste fino[100].

Tendo analisado a contingência do universo como um todo, Dembski passa a analisar a contingência dentro do universo. Neste caso, fazer apelo ao acaso não é mais um argumento da ignorância, pois dentro do universo pode-se atribuir probabilidades de modo não-aleatório aos possíveis eventos. No entanto, esses apelos ao acaso não serão compreendidos como não-causados, mas sim como causações não-determinísticas, que ocorrem de acordo com probabilidades. Esse tipo de causação probabilística é um campo bem desenvolvido da filosofia da ciência. Definindo “acaso” como o acontecimento de uma possibilidade em exclusão a outras de acordo com uma distribuição de probabilidade, ainda assim a noção de acaso permanece problemática, pois a probabilidade admite um nível de incerteza em eventos isolados, mas quando tomados em conjunto, percebe-se certa ordem. Num exemplo como o lançamento de uma moeda, o resultado individual é incerto, mas no longo prazo, a proporção de caras e coroas tenderá a ser igual (assumindo uma moeda honesta). Este resultado é previsível tanto teoricamente como na prática[100]. Porém, o problema é que o acaso caracterizado de modo probabilístico, pode e irá violar todos os padrões esperados. Nós vivemos no curto prazo, não no longo prazo, e não existem modos para verificar se as probabilidades percebidas no curto prazo são representativas também do longo prazo. Tem-se esse problema epistêmico: é possível ou não saber se o comportamento dos eventos que ocorrem ao acaso hoje é representativo ou não do comportamento de longo prazo? Esse problema vai ao núcleo de todo esforço científico[101], e será chamado de problema da indução probabilística. Esse problema foi tratado no Capítulo 6 do livro No Free Lunch, que em resumo, aborda a questão sob o aspecto da inteligência: quando uma agente inteligente atua, ele acaba causando efeitos colaterais probabilísticos, e um desses efeitos é o acaso. Para exemplificar, a língua portuguesa segue convenções na escrita, e por causa disso, acaba-se determinando a frequência com que algumas letras aparecem. Essa frequência é probabilística, ainda que se saiba que os escritos que elas trazem tiveram uma causa inteligente e intencionada. Além disso, qualquer desvio significativo dessa frequência em um texto também terá sido um ato intencional: neste caso, não teria sido por intenção direta, mas sim como subproduto. Dembski cita como exemplo a obra Gadsby, de Ernest Vincent Wright, a qual omite por completo a letra E, fato esse que é claramente fruto da intenção do autor[102].

Tendo compreendido esse exemplo, pode-se fazer a seguinte pergunta: por que os subprodutos dos agentes inteligentes, como as frequências das letras no língua portuguesa, seguem distribuições de probabilidade bem definidas, e por isso acabam exibindo um comportamento probabilístico confiável e preditivo? Podemos tratar esse fenômeno como um fato bruto, mas ainda assim é possível dar uma boa razão para isso. A razão é que os agentes inteligentes tendem a se manifestar de acordo com certas normas, regras convencionadas, ou políticas bem definidas. Assim, por causa da consistência dessas manifestações (exatamente por serem normas ou regras convencionadas), agentes inteligentes acabam produzindo padrões regulares, e é por causa dessa regularidade é que se percebe um comportamento probabilístico estável. O uso de normas e convenções torna mais fácil para que um agente inteligente atinja um propósito ou um objetivo, e no entanto, há consequências probabilísticas não intencionadas também. Desssa forma, pelo ponto de vista de um teísmo bastante modesto, a inteligência se torna uma característica fundamental e irredutível da realidade, e como consequência, torna-se impossível separar o acaso da inteligência, descartando que aquele seja subproduto desta[103].

No entanto, como o tratamento do acaso como subproduto da inteligência ajuda na compreensão racional da probabilidade, sendo essa compreensão baseada na ideia de que comportamentos probabilísticos de curto prazo sejam mesmo representativos de uma distribuição probabilística subjacente? É uma boa pergunta, porém ela assume uma noção que não está garantida. A pergunta se baseia na noção de que agentes inteligentes são governados pelas probabilidades, no sentido de eles estarem restringidos a obedecer alguma distribuição probabilística. Percebe-se que a primazia estaria nas distribuições de probabilidade, tornando os agentes inteligentes dependentes dela, assim invertendo a dependência lógica entre agentes inteligentes e as probabilidades. Quando a inteligência é compreendida como não sendo material, não existem distribuições probabilísticas às quais ela deva obedecer, afinal de contas, ela é uma livre agência (ver Capítulo 2). Qualquer probabilidade que se refira à inteligência deriva logicamente de alguma escolha feita livremente, tornando-se mais descritiva do que prescritiva. As distribuições de probabilidade tomam a forma que os agentes inteligentes dão a ela, sendo portanto sujeitas a mudanças com o tempo, na medida em que os agentes inteligentes mudam suas escolhas, objetivos, propósitos, normas ou convenções. Com esse entendimento, conclui-se que descrições de mundo que eram idênticas em comportamento probabilístico até certo ponto, e tendo mudado a partir de então, não seriam descrições errôneas de alguma distribuição de probabilidade intrínseca, mas sim seriam reflexo de uma mudança de critérios ou escolhas feitas por alguma inteligênciaas inteligências mudam, as probabilidades também[104].

No materialismo, a inteligência deve ser sempre, na análise final, um produto não intencional de fatores puramente materiais. Admitindo a contingência, o materialismo acaba compreendendo a inteligência como um mero subproduto do acaso[105], mas há aqui uma outra possibilidade de compreender esse acaso: tratando-o deterministicamente, no sentido de não conhecermos o suficiente sobre a dinâmica da matéria, ou de sua configuração precisa. Não haveria o acaso para uma inteligência com conhecimento perfeito dessa configuração. Porém, como não somos inteligências com conhecimento perfeito, o acaso acaba se tornando indispensável para nossa compreensão do universo. Essa visão sobre o acaso constituiria uma medida de ignorância, e ela é reforçada por resultados obtidos da geração de números aleatórios, e também por teorias de dinâmica não-linear (teorias do caos). No entanto, geração de números aleatórios por computador continua sendo determinista, pois não são nada mais que algoritmos programados para gerar sequências de números que aproximam-se de certas distribuições de probabilidade. Além disso, a dinâmica não-linear é também determinista, com a diferença que ela produz resultados que são fortemente sensíveis às condições iniciais, e por isso acabam dando a impressão de ser aleatória. Para John von Neumann, o método mais apropriado para geração de números aleatórios seria, literalmente, o jogo de moedas, e presumivelmente seria até melhor do que a amostragem por um sistema quântico[106].

Dembski termina o capítulo resumindo em poucas frases a compreensão da contingência segundo a metafísica da informação. Nessa metafísica, compreende-se melhor o acaso como sendo um subproduto da inteligência, e não como um fenômeno probabilístico intrínseco à matéria. Dessa forma, nota-se que o problema da indução probabilística deixa de existir, pois não haveria alguma distribuição de probabilidade subjacente à qual uma amostragem de dados em curto prazo tenha que obedecer: existe apenas a inteligência, cujas ações geram efeitos colaterais que possam ser caracterizados probabilisticamente, e que estariam sujeitos a mudanças conforme a inteligência mude suas normas, regras ou convenções[107].

Capítulo 17 — Search

No capítulo anterior, Dembski argumentou que há melhores argumentos para compreender que o “acaso” seja um epifenômeno da inteligência (ou seja, de agentes inteligentes), e não o contrário, como desejam os materialistas. Em capítulos ainda anteriores, viu-se ainda que a própria matéria é também um epifenômeno da informação, em contraste com a abordagem materialista, que trata a informação como uma propriedade da matéria, ou um epifenômeno dela. No entanto, o problema não é que os materialistas não concedem ao problema: eles, na verdade, nem o enxergam[108]. Neste capítulo e nos dois próximos, Dembski argumentará que o acaso não ajuda o materialismo ainda que uma abordagem mais pragmática seja feita, no sentido de se construir uma fundamentação mais apropriada para o acaso. Contrariamente ao materialismo, o acaso não tem como manter o universo livre da teleologia e da inteligência[109].

Os materialistas tentam subordinar a teleologia e a inteligência ao acaso, no sentido de que o acaso seja primordial, e a inteligência, secundária. Para isso, invocam a seleção natural para evitar maiores explicações nos menores níveis da matéria. Mas na verdade, a seleção natural não ajuda em absolutamente nada em eliminar teleologia ou inteligência. Invocar seleção natural apenas joga o problema para adiante, sem explicá-lo nunca. No entanto, uma justificação precisa para a afirmação de que a seleção natural é ela mesma teleológica vem através de resultados matemáticos recentes, conhecidos como os teoremas da Conservação de Informação (CoI)[110]. Esses teoremas são descritos neste capítulo, mas a sua significância para o problema ficará clara nos capítulos 18 e 19. E para entender a importância da Conservação da Informação, é preciso falar sobre os teoremas No Free Lunch (NFL).

Os teoremas No Free Lunch (NFL) provam que, para uma dada estratégia de busca, a média da sua performance não é melhor do que a busca cega, ou seja, não é melhor do que meros chutes aleatórios. Tais teoremas foram surpreendentes, pois se pensava que algumas estratégias de busca eram melhores do que outras. Os teoremas NFL mostraram que quaisquer vantagens que uma dada estratégia tenha para certos tipos de buscas, são contrabalanceadas por fraquezas que ela tem para outros tipos de buscas. O foco desses teoremas era, então, a performance média de estratégias de busca. O próximo questionamento lógico seria o de identificar o que faz as estratégias específicas serem bem sucedidas para buscas específicas, que é o que a Conservação da Informação fez[111]. O que precisa ser notado é que para um dado problema e uma busca, haverá alguma estratégia que seja mais otimizada. Escolhendo-se essa estratégia, nega-se outras, e portanto, tal escolha reflete a criação de informação do mesmo modo como tem sido enfatizado ao longo deste livro[110].

Os resultados matemáticos dos teoremas da Conservação de Informação (CoI) mostram que numa busca bem sucedida, é preciso haver uma quantidade de informação na entrada igual ou maior do que a informação resultante na saída da busca. A CoI quantifica as informações na entrada e na saída, demonstrando um relacionamento matemático preciso entre elas, sendo a quantidade de informação na entrada igual ou superior à da saída. Alem do mais, para alguns teóricos da biologia, como Stuart Kauffman, a evolução, sendo concebida como um tipo de busca, é o processo pelo qual a natureza realiza buscas pelo espaço de configuração biológica, sempre em procura por ordens maiores de complexidade e diversidade biológica[112]. Nesse sentido, como o processo evolutivo pode ser concebido como um tipo de busca, então pela CoI, demonstra-se que a evolução não consegue criar a informação por si mesma, mas simplesmente mistura a informação já existente. Então, de onde a informação inicial veio? Dessa forma, a CoI mostra que a seleção natural é incapaz de responder a essa questão sobre a origem da informação[113].

No entanto, para muitos cientistas, o tópico sobre “buscas” não se encaixa bem nas ciências biológicas. Algo de subjetivo e teleológico parece estar envolvido na busca, pois uma busca traz consigo um objetivo e os critérios de sucesso ou fracasso na busca por esse objetivo. Mas de onde vem esse objetivo (ou alvo) e esses critérios? Será que eles vêm de nós, animais racionais que naturalmente procuram por padrões, e que criam padrões? Ou eles são objetivos e realmente são subjacentes à própria natureza? Será que a natureza não poderia ser produto de uma mente, e os padrões que essa natureza exibe não poderiam ser as soluções para problemas de busca formulados por essa mente? Se não se mantiver uma metafísica materialista, todas essas perguntas permanecem em aberto[114]. De qualquer modo, a matemática usada para descrever as buscas e as suas conexões com a CoI são diretas e generalizantes. Ainda que existam questionamentos se os elementos envolvidos sejam subjetivos ou não, tais elementos são independentes da matemática usada. Tais questionamentos também não se referem à busca em si mesma, mas na interpretação dos resultados da busca[115].

Um esclarecimento é necessário, antes de se falar especificamente sobre a Conservação da Informação no próximo capítulo. Para boa parte das pessoas, quando se fala em “busca”, o que mais interessa é o resultado dela. Contudo, cientificamente falando, o que mais interessa não é o resultado da busca, mas sim a distribuição probabilística dos possíveis resultados dela[116]. Um exemplo para ilustrar essa abordagem é o de uma caça ao tesouro, numa área muito grande. A probabilidade de um caçador achar o tesouro, numa busca cega sem qualquer tipo de informação adicional sobre sua localização, tem um certo valor. Mas, se o caçador é guiado ao longo do caminho, com dicas de se “está quente” ou se “está frio”, então a sua probabilidade de achar o tesouro tem seu valor aumentado. É claro que a probabilidade aumentou devido a essa informação adicional que o caçador teve em seu caminho, mas de onde veio a informação? A Conservação da Informação diz que essa informação adicional é tão improvável (e por isso, difícil) de obter, quanto era a dificuldade original da busca cega. Outro exemplo é se o caçador voltasse à busca cega, mas deixasse de procurar o tesouro e sim um mapa que tivesse a localização exata do tesouro dentro daquela área. A CoI diz que a dificuldade de achar o mapa é igual ou superior à dificuldade de achar o tesouro pela busca cega, tendo havido um mero redirecionamento do objetivo buscado[117].

Capítulo 18 — Conservation of Information

Neste capítulo, Dembski fala sobre a Conservação da Informação, fazendo uma explicação generalizada, e depois aplicando-a para a biologia evolutiva. Compreendendo-se a importância da CoI para a biologia, sua aplicabilidade para o restante das ciências naturais será mais aceitável.

A maior parte dos espaços de configuração biológica são muito numerosos, e os alvos que ele tem são muito pequenos, de tal forma que uma mera busca cega seja muito improvável de atingir seu objetivo. Dada essa fraqueza da busca cega, então é necessário que haja uma busca alternativa, e os processos evolutivos representam esse tipo de busca. De fato, os processos evolutivos são mais eficientes, mas no entanto, há um custo de informação que tais processos devem cobrir e, como veremos logo a seguir, tais processos não são suficientes por si mesmos em cobrir esse custo[118].

A Conservação da Informação (CoI) diz que aumentar a probabilidade de sucesso em achar um alvo pela modificação da busca requer um custo informacional extra que, uma vez que esse custo seja contabilizado, não modificaria em nada a efetividade da busca original. De outra forma: quando se tenta facilitar o sucesso de uma busca modificando-a, ao invés de ficar mais fácil, ela continuará tão (ou até mais) difícil uma vez que se contabilize o custo de informação necessária para fazer a modificação[119]. A razão pela qual se fala em Conservação da Informação é que por mais que se esforce em aumentar as chances de sucesso de uma busca, o máximo que se consegue efetivamente, em termos de custos, é um empate. Nesse caso, a informação é realmente conservada, embora possa ocorrer também que o custo final fique maior[120]. Podem ser consultados na internet alguns dos artigos revisados por pares sobre essas afirmações da CoI[121][122][123].

Tendo foco na procura da informação necessária para melhorar a performance da busca, a CoI sugere uma ontologia relacional entre a busca e os objetos buscados. Numa ontologia relacional, as coisas não existem por si mesmas, mas sim por conta do relacionamento que mantém com as outras coisas. No relacionamento entre a busca e os objetos buscados, cada um encontra sua existência no outro. Temos uma tendência natural de imaginar que os objetos são reais independentes da busca que os encontra e, também, de imaginar que a própria busca por esses objetos são “menos reais” pois estas dependem dos objetos para existirem. No entanto, os objetos nunca chegam por si mesmos; eles chegam através de reflexões padronizadas dentro do conhecimento que já possuímos, e portanto, eles são objetos de uma busca. Tais reflexões produzem informação, pois o objeto se encaixa em alguns dos padrões conhecidos e não nos outros; assim, reproduz-se o método de criação de informação enfatizado neste livro. Portanto, existir é ser um objeto de busca; existir é ser percebido[124]. Desse modo, tanto o objeto quanto a busca por ele são mutuamente ontologizantes, e a CoI acrescenta que a própria busca também é um objeto de busca[125].

Reafirmando-se então o que é a Conservação da Informação: o aumento da probabilidade de sucesso de uma busca não torna mais fácil o esforço de se atingir o objetivo, e poderia até dificultar, uma vez que os custos informacionais envolvidos no aumento da probabilidade são levados em conta. As buscas têm sucesso não porque criam informação, mas por tomar vantagens da informação já existente. A informação que leva ao sucesso das buscas sempre é obtida em algum lugar. Inúmeros teoremas da CoI foram provados por Dembski e Marks[126], e cada um deles verifica um tipo particular de busca. Marks e Dembski passam a falar em Lei de Conservação da Informação, pois não se trata apenas de uma família de teoremas, mas sim de um princípio fundamental aplicável a buscas em geral. Essa lei já apareceu em inúmeras publicações da engenharia e da matemática[123].

Apesar da solidez da CoI, materialistas não a enxergam como um problema. Sim, a saída de informação pressupõe uma quantidade igual ou maior de informação na entrada, e toda essa informação está dentro de um ambiente, dizem os materialistas. É o ambiente que teria fornecido toda a informação de entrada, mas no entanto, de onde esse ambiente tirou a informação? O problema que a CoI traz para a evolução é que sem inserção de informação por fora, o problema da informação biológica fica igual ou piora à medida que se retrocede no tempo. A mágica da evolução se dá na tentativa de explicar o mais complexo a partir do mais simples, como Richard Dawkins afirmou[127]. Quanto mais se volta no tempo, maior é a simplicidade[128]. A Conservação da Informação diz que nunca houve um estado inicial de simplicidade. A quantidade de informação que existe hoje é a mesma ou menor do que as quantidades que haviam em estados anteriores, se assumirmos que não houve inserção de informação por fora. No entanto, o processo evolutivo concebido por Darwin não era teleológico, e portanto, não poderia fazer uso de inteligência. Invocar o “ambiente” como fonte de informação para o processo evolutivo, sem maiores explicações, é vazio[129]. É como tentar explicar pelo “ambiente” o arranjo de letras de uma palavra num jogo de Scrabble.

Os teóricos evolucionistas dizem que é possível explicar pelo “ambiente” as informações biológicas através do acúmulo gradual dessas informações. Na visão deles, a seleção natural é a responsável por selecionar as pequenas vantagens que aparecem por acaso, não havendo necessidade de qualquer tipo de inteligência. É disso que o próximo capítulo passa a tratar.

Capítulo 19 — Natural Selection

A existência da informação biológica pressupõe a origem da vida. Assim que a vida tenha se originado, então a evolução poderia ter tomado a informação biológica existente e a teria aumentado. Sendo assim, se a evolução for realmente a responsável pelas transformações biológicas de larga escala, então ela deveria ter habilidade em criar as quantidades enormes de informação das formas de vida. Surge assim o questionamento: como a evolução faz isso? O entendimento convencional do que causa o aumento da informação biológica ao longo da história natural é um processo puramente darwiniano e, em suma, é a seleção natural a causa de toda informação biológica, uma vez que a vida tenha começado[130].

No livro O Relojoeiro Cego, Richard Dawkins tenta mostrar como a seleção natural cria informação. É nesse livro que ele mostra os resultados da sua famosa simulação ME THINKS LIKE A WEASEL (frase do livro de Shakespeare, Hamlet). Ele cria um algoritmo que simula o processo darwiniano para produzir aquela frase, designada de “frase alvo”. Todo algoritmo desse tipo consiste de:

  • um ponto de inicialização: no caso, Dawkins escolheu uma cadeia de caracteres aleatórios que tenha o mesmo comprimento da frase alvo;
  • um cenário de aptidão[131], que é uma medida do quão boa é uma possível solução do problema: Dawkins escolheu como medida de aptidão a proximidade com a frase alvo. Quanto mais próxima uma frase for da frase alvo, mais “apta” ela é;
  • uma regra de atualização, que é a lei algorítmica que transforma o estado atual no próximo estado: para Dawkins, isso se refere a algum tipo de randomização para frases já buscadas, já avaliadas e também já selecionadas segundo suas aptidões;
  • um ponto de parada, que é um critério que dirá quando a busca pode ser interrompida: Dawkins escolheu esse ponto no momento em que a frase coincidir com a frase alvo[132].

Nota-se que a seleção natural está sendo simulada no segundo e terceiro elementos citados. Será que os algoritmos evolutivos criam nova informação, no sentido de que antes do algoritmo operar, essa informação não existia? Na verdade, não. Toda informação que os algoritmos evolutivos produzem tiveram de ser introduzidas no cenário de aptidão, ou as vezes na regra de atualização. Sendo assim, esses algoritmos somente misturam informações já existentes, e não criam de fato informações novas. O próprio algoritmo de Dawkins mostra isso, pois ele privilegiou a frase alvo adaptando o cenário de aptidão a ela, de modo que maior aptidão é atribuída às frases que tem mais caracteres em comum com a frase alvo. Sempre é possível achar um cenário de aptidão, e o algoritmo poderia ter evoluído para qualquer outra frase. No entanto, esse algoritmo só evoluiu para ME THINKS LIKE A WEASEL porque Dawkins assim escolheu. A frase alvo não deixou de ter um autor só por conta do algoritmo evolutivo ter chegado a ela: Dawkins é o co-autor desse cenário que facilitou a evolução do algoritmo para esta frase de Shakespeare.

weasel.png

O algoritmo começa com uma frase de 28 caracteres aleatórios (letras latinas ou espaços), e é este o ponto de inicialização. As próximas gerações de frases surgem a partir dessa frase inicial, e a aptidão de uma é medida conforme a proximidade dela com a frase alvo ME THINKS LIKE A WEASEL. O atributo “score” é o indicador da aptidão, que indica quantos caracteres são idênticos aos do alvo. A regra de atualização é tomar 100 cópias mutadas (de modo aleatório) da frase da geração atual, com 5% de taxa de erro em cada caractere, e selecionar aquela cópia com maior aptidão, fazendo dela a frase da nova geração, que irá dar origem às futuras gerações. No exemplo ilustrado nas figuras, foram necessárias 47 gerações de frases para chegar ao alvo[133].

Como a Conservação da Informação se aplica ao algoritmo evolutivo de Dawkins? É bastante simples. Obter a frase ME THINKS LIKE A WEASEL através de busca cega é extremamente improvável, numa probabilidade da ordem de 1 em 1040. Em razão de tão baixa probabilidade, Dawkins propõe o seu programa Weasel, que acaba obtendo a frase desejada com uma probabilidade muito maior em menor número de tentativas. No exemplo, foram necessárias apenas 47 gerações de 100 frases cada, resultando um total de 4700 tentativas. Assim, o algoritmo de Dawkins faz um belo trabalho ao achar o alvo com maior probabilidade. Mas qual foi o custo disso? A Conservação da Informação nos diz que a informação necessária para tal feito não foi internamente criada pelo algoritmo de busca, mas sim que ela foi introduzida no algoritmo. Isto foi confirmado de modo independente, pois o próprio Dawkins admitiu ter introduzido essa informação, afinal, ele era o programador.[134].

Nesse ponto, pode-se questionar se esse exemplo realmente serve como ilustração da evolução darwiniana. Dawkins diz que o critério de otimização da busca na evolução não é um alvo arbitrário e distante, como o exemplo deixou a entender, introduzindo uma espécie de teleologia estranha à evolução. Para ele, o critério é sobrevivência, e isto não seria arbitrário. Mas, o que Dawkins quer dizer com “sobrevivência”? Tomando a interpretação mais branda possível, imagina-se então que o que ele queira dizer seja reprodução e sobrevivência diferencial, governadas pela seleção natural agindo sobre mutações aleatórias. Ainda assim, nesta interpretação, a capacidade da seleção natural em criar informações novas não é comprovada. O biólogo Kenneth Miller elabora melhor esse ponto, dizendo que o que é realmente necessário para aumentar a informação biológica no curso da evolução é a seleçãoreplicação e a mutação. A informação nova viria do próprio processo seletivo. No entanto, raciocinando pelo método da diferença de John Stuart Mill — circunstâncias comuns não explicam a diferença de resultados —, é possível perceber que esses três elementos não são suficientes para explicar o aumento de informação. Em que sentido? Dentro da computação evolucionária, é fácil realizar simulações que imitam os elementos da seleção, replicação e mutação, mas essas simulações não vão a lugar algum. No campo da otimização, introduz-se critérios de otimização nos algoritmos que já possuem esses mesmos elementos, e somente aqui é que se aumentam efetivamente as probabilidades de encontrar uma solução. Esses critérios de otimização são determinados por projetistas, que sabem de antemão qual o problema sendo resolvido, e que parametrizam seus critérios para encontrar a solução com eficiência. Dito isso, a evolução biológica, dependente apenas da seleção, replicação e mutação, não conseguiria aumentar a informação, pois ela enfrenta o mesmo problema da computação evolucionária. Na vida real, esses três elementos da evolução estão associados tanto a aumentos como diminuições da informação biológica e, portanto, não conseguem sozinhos explicar o aumento de informação por eles mesmos[135].

O estudioso Stewart Kauffman percebe o erro na afirmação de que o mecanismo darwiniano possa criar informação. Ele observa que a seleção, a replicação e a mutação só trabalham bem em certos tipos de cenários de aptidão. Nisso, ele questiona: “de onde vem esses cenários de aptidão tão bem forjados, de modo a conduzir a evolução para produzir todas essas coisas extravagantes ao nosso redor?”[136] Segundo ele, “ninguém sabe”. Essa percepção de Kauffman está em pleno acordo com a Conservação da Informação. O cenário de aptidão é que fornece informação ao processo evolutivo, e somente cenários muito bem ajustados são suaves o suficiente, não isolam pontos ótimos locais e, acima de tudo, premiam estruturas e funcões biológicas mais complexas para dirigir o processo evolutivo[137].

Por conta de tudo o que foi dito, entende-se que que a seleção natural apenas redistribui a informação, e não a cria. Então, qual é a fonte de informação na natureza que faz com que os alvos biológicos sejam corretamente buscados e atingidos? Dembski diz que é a inteligência. Inteligências são capazes de criar informação com um alvo, um propósito. Em especial, inteligências são capazes de criar esse tipo de informação que auxilia em buscas dirigidas. Isto sugere que a evolução biológica em todos os seus tipos é inerentemente teleológica. A Conservação da Informação mostra que toda tentativa de se livrar da teleologia na evolução é um erro[138].

Capítulo 20 — The Creation of Information

Neste capítulo, Dembski trata de detalhar melhor o que significa quando se diz que uma inteligência cria e transmite uma informação. Para ele, o modelo de criação de informação não poderia ser bottom-up — como se quisesse reconstituir a informação a partir de processos materiais —, mas sim top-down, tentando compreendê-la do ponto de vista da inteligência criadora. Dito isso, o que guiará esse detalhamento será o diagrama esquemático geral de um sistema de comunicação, exibido por Claude Shannon em seu livro clássico A Teoria Matemática da Comunicação, de 1948:

diagrama-shannon.png

Pelo diagrama de Shannon, a criação de informação é essencialmente um ato de fala na qual uma inteligência, para promover algum propósito, monta um item de informação e o comunica. Em geral, quaisquer formas de criação de informação podem ser representadas com uma linguagem[139]A linguagem é o meio universal para criar informação, e assim trazer quaisquer propósitos à realidade. Esta seria uma abordagem linguística da teleologia. Nessa abordagem, quaisquer propósitos são inertes e sem eficácia enquanto os itens de informação adequados que os promovam não sejam articulados e comunicados. É dessa forma que quaisquer propósitos deixam de ser potência para serem ato. Já os atos de fala são exclusivos e irrevocáveis: dizer uma coisa implica em não ter dito outras coisas e, por isso, eles possuem a característica básica da informação, que é a inclusão de algumas possibilidades em exclusão a outras. No caso dos atos de fala, é a inclusão de certas palavras em vez de outras. Não é atoa que as palavras “homicídio” e “decisão” possuem a mesma raiz latina caedere, que significa “cortar” ou “eliminar”. Assim como “homicídio” é eliminar outro ser humano, “decidir” é eliminar outras opções ou possibilidades. Depois de uma decisão ter sido feita, o mundo não é mais o mesmo. Uma palavra, após ter sido dita, nunca mais retorna[140].

A palavra “inteligente” vem também do latim pela junção de dois termos, inter (“entre”) e lego (“escolha”, ou “seleção”). Justapostos, esses termos dão a ideia de “escolher entre opções”. No momento da criação da informação, uma inteligência escolhe uma possibilidade entre as várias opções de uma matriz de possibilidades. Voltando ao diagrama de Shannon, entende-se que uma inteligência criadora possua uma intenção ou propósito, sendo ela o remetente. Essa inteligência monta uma mensagem, que é um item de informação formulado no intuito de promover seu propósito. A mensagem é então convertida em algum tipo de sinal, só então podendo ser transmitida pelo transmissor. O sinal atravessa o canal de comunicação até chegar ao receptor, onde aquele sinal transmitido induz algum padrão de recepção que produza um efeito palpável, o qual deveria ir de acordo com o propósito original do remetente.

Até aqui, os materialistas não teriam problema com o diagrama de Shannon. No entanto, se o materialismo é falso, então é possível que existam fontes de informação que não sejam puramente materiais. Se uma fonte de informação não é material, então não teríamos acesso direto à porção esquerda do diagrama, mas somente ao restante dele[141]:

diagrama-shannon-parte-inferior.png

O desafio de toda teoria da comunicação é o de, com conhecimento do sinal recebido e das fontes de ruído, recuperar o sinal transmitido originalmente. Se houver ruído demais, o sinal é distorcido, e há sempre a possibilidade de ele se sobrepor ao sinal original. Nesse sentido, para prevenir essa distorção, ambos os terminais do canal de comunicação precisam fazer uso de correção de erros. Aqui vale fazer um parênteses: seria possível correlacionar o problema do ruído no canal de comunicação com os efeitos distorcivos do mal naquelas mensagens ou intenções que eram boas na fonte da informação. Isto já seria uma questão para a filosofia, ou até mesmo para a teologia.

Uma outra noção que pode ser formulada pelo diagrama de Shannon é o da dupla criação. A criação de informação por uma inteligência é sempre uma criação dupla: primeiro, no mundo das ideias, e segundo, no mundo físico[142]. Isto lembra o filósofo Platão. Ele expressou essa noção na sua obra Timeu, quando disse que o Demiurgo organizava o mundo físico de acordo com padrões que residiam no mundo abstrato das ideias. Tomás de Aquino também expressou essa noção com aquilo que chamou de causalidade exemplarO diagrama de Shannon exibe essa criação dupla: existe a informação que foi criada e transmitida, e existe a informação que foi recebida e reconstituída. A primeira criação ocorre na parte esquerda do diagrama, onde há concepção da informação; e a segunda criação (ou reconstituição) ocorre na parte direita, onde há realização da informação. Normalmente, se espera que a primeira e a segunda criação estejam em concordância mútua[143], e a possibilidade dessa discordância leva a questionar se a primeira criação foi “correta”, ou se houve alguma interferência na comunicação entre elas.

De modo quase implícito no diagrama, assume-se que o remetente “perde” o controle da mensagem depois que ela foi enviada. Isto é assumido, mas não é explícito e nem obrigatório. Se fosse o contrário, se o remetente tivesse controle total da comunicação em todas as suas etapas, qual seria o objetivo de enviar qualquer mensagem? Neste caso, o remetente estaria enviando a mensagem para si mesmo, e isto não faria sentido. Afinal de contas, o objetivo em qualquer comunicação é o de compartilhar uma informação na outra ponta do canal, onde ela ainda não exista[144].

Capítulo 21 — A World in Communion

No último capítulo do livro, Dembski procura ilustrar como seria uma descrição do universo se o fator mais fundamental da realidade não fosse a interação de partículas, mas sim a troca de informação.

realismo informacional é a posição filosófica desenvolvida no livro, e segundo ela, a informação é a entidade mais básica da realidade, e não a matéria. A informação é um objeto real de estudo que a natureza tem a oferecer, e ela é mensurável, tendo por isso um valor teórico considerável nas ciências. Ela é a ferramenta que oferece a melhor compreensão sobre a natureza da natureza[145].

Dentro do realismo informacional, a realidade das coisas se define pela sua capacidade em comunicar-se com as outras. Estabelece-se assim uma ontologia relacional: um entidade existe na medida em que ela é capaz de comunicar informação com outras entidades. É importante distinguir o realismo informacional do monismo informacional, que seria a concepção de que tudo é informação. O realismo informacional também seria capaz de abarcar essa concepção, embora ela não seja necessária. É possível dentro do realismo informacional que existam fontes de informação que não sejam elas mesmas itens de informação. Por exemplo, na teologia judaico-cristã, Deus não seria um item de informação, mas sim a fonte primária de toda informação, e que teria realizado o primeiro ato informativo na criação deste mundo, e não de outros mundos possíveis[145].

Sendo assim, como se daria a comunicação de uma entidade com as outras? A troca de informação se dá na correlação entre itens de informação numa entidade e na outra pela transmissão. A forma mais conveniente de ilustrar essa correlação é pelo diagrama de Shannon, em termos de remetente e destinatário. O remetente “envia” sua informação através de um canal de comunicação, e o receptor a recebe, recriando a informação enviada com certa correlação estatística. A troca de informação, na realidade, acontece nesta correlação[146].

Dentro do materialismo, as formas de causação são por necessidade ou por acaso. Já no realismo informacional, se diz que as causações são por liberdade com restrição[147]. Quando alguma coisa acontece, o acontecimento se dá pela realização de uma opção em exclusão a outras. No entanto, essas opções, tanto a realizada como as não realizadas, estão restritas à matriz de possibilidades relevante. É nela que se dá a restrição. A liberdade se dá na escolha de uma das opções da matriz. No entanto, aquilo que é uma matriz de possibilidades em um caso, pode ser uma opção dentro de outra matriz de possibilidades em outro caso, em outro momento, ou num nível diferente da realidade. Para exemplificar isto, considere um poeta que quer escrever. Num primeiro momento, a matriz de possibilidades para ele é o conjunto de possíveis métricas a ser usada na sua poesia. O poeta então escolhe livremente alguma opção de métrica dentro dessa matriz e, tendo sido feita a escolha, ele passa a pensar na escrita de seu poema, o qual será escrito também como uma possível opção de dentro de uma matriz de possibilidades de poemas (a quantidade de opções aqui é enorme, dadas as possibilidades de combinação de palavras no idioma). No entanto, essa escrita do poema está restrita pela métrica escolhida anteriormente.

Ainda sobre essa liberdade, ela se dá sob três possíveis formas, a saber, por necessidade, por acaso ou por design, e essas três maneiras devem ser compreendidas de modo diferente do materialismo. A necessidade opera quando há apenas uma opção dentro da matriz de possibilidades. O acaso opera quando as opções da matriz são caracterizadas por uma distribuição de probabilidade. O design ocorre quando há várias opções na matriz de possibilidades, e a opção que é realizada foi escolhida por uma inteligência que tinha algum propósito. É importante lembrar que esses três modos de causação não precisam ser mutuamente exclusivos. Tanto a necessidade como o acaso poderiam ser vistos como teleológicos, ainda que de modo indireto: a necessidade, que é o caso quando a matriz de possibilidade relevante contiver apenas uma opção; e o acaso, como sendo um subproduto da inteligência ou de uma ação teleológica. O design é visto de modo teleológico diretamente[147].

Quanto à matéria, ela é mais uma conveniência para o pensamento, e não tem uma realidade por si própria. Somente a matéria na forma de seus objetos particulares possui realidade. Dentro do realismo informacional, objetos materiais expressam sua realidade por meio de informação. Mas que tipo específico de informação caracteriza um objeto como sendo material? As informações sobre um objeto material sempre dizem respeito á sua localização no tempo e no espaço, e também estarão sujeitas às leis da física e da química. Se os tipos de informação de um objeto se encaixam nessas características, então se pode dizer que ele é material[147].

Quanto às realidades sociais e física, existe um gap entre elas, segundo o materialismo. Para John Searle, é impossível haver uma realidade objetiva sobre o dinheiro, propriedades, casamentos, governos, jogos e uma série de outras coisas, num mundo em que existam apenas partículas físicas sujeitas a campos de força, sendo que algumas dessas partículas estão organizadas em seres vivos, como os humanos por exemplo. A realidade social não pode ser descrita em termos materiais precisos. Em oposição a isso, no realismo informacional, há a possibilidade de união das realidades sociais e físicas: ambas são realidades informacionais, mas elas operam segundo regras — ou restrições — diferentes. Uma união ainda mais coerente se dá ao combinar o realismo informacional com o teísmo: as realidades sociais criadas pelos seres humanos refletem a realidade física criada por Deus. Pode-se por assim dizer que a natureza é a realidade social divina, e que ela oferece o palco no qual os seres humanos constroem a sua realidade social[148].

Dembski finaliza o livro fazendo uma última observação sobre a diferença do materialismo e do realismo informacional. A fraqueza do materialismo é que ele restringe de forma artificiosa as fontes de informação que possam operar no mundo. Se realmente existem fontes de informação que não sejam materiais, é certo que no materialismo elas não serão percebidas. Por outro lado, embora no realismo informacional não seja necessário que essas fontes existam, elas poderão ser descobertas e reconhecidas, caso existam. É importante ressaltar, embora pareça óbvio, que é melhor deixar que o mundo seja o que ele realmente é, e não olhar para ele com as nossas pré-concepções sobre o que ele deveria ser. O materialismo é um desses tipos de pré-concepções; já a abordagem do realismo informacional deixa o mundo ser como ele é[149].

Bibliografia

Referências

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  22.  Being As Communion, p. 60.
  23.  Being As Communion, p. 64.
  24. O autor também sugere que se entenda a matriz como um mapa, com dada resolução (ou escala). Mapas diferentes indicam locais diferentes ou escalas diferentes do mesmo lugar. O mesmo acontece com a matriz.
  25. Being As Communion, p. 66.
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  131. O termo em inglês é fitness landscape, que já foi traduzido para o português como ‘paisagem de adequação’. Escolhi por hora a expressão cenário de aptidão por fazer referência a um termo já muito comum na biologia, aptidão. Agradeço também a contribuição do Júnior Eskelsen.
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Fonte: Wiki TDI Brasil.

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