Resultados de avaliações externas ganham diferentes usos no país
Pesquisa mostra que vários estados estão empenhados em averiguar o aprendizado em sua rede. Porém isso nem sempre gera mudanças na prática pedagógica.
O fenômeno não passa mais despercebido. A cultura da avaliação externa em larga escala impregnou a Educação brasileira desde a criação do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Saeb), em 1990, que nasceu com dois objetivos: avaliar a qualidade, a equidade e a eficiência do ensino e fornecer subsídios para a formulação de políticas públicas. Para tanto, ele gera médias estaduais, regionais e uma nacional. A aceitação por parte das equipes escolares não foi imediata, mas aos poucos quem oferecia resistência se convenceu de que o país dava um passo à frente ao buscar um diagnóstico geral do ensino. Alguns estados e municípios quiseram ir mais fundo e obter informações de cada uma de suas escolas. Hoje, 19 das 27 unidades federativas têm ou já tiveram algum tipo de instrumento próprio para investigar o nível de aprendizagem dos alunos de sua rede. Ceará e Minas Gerais foram pioneiros, iniciando seus sistemas em 1992. Já o Tocantins, por exemplo, é adepto novato do recurso. Com o tempo, o governo federal diversificou os instrumentos lançando, em 2005, a Prova Brasil, que chegou com a proposta de ser mais abrangente e gerar informações por município e por instituição. Para tanto, diferentemente do Saeb, feito por amostragem, ela envolve todas as escolas públicas do país, porém se limita a sondar apenas duas séries do Ensino Fundamental. Até porque, em 1998, havia sido criado o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) para saber como os alunos brasileiros estão concluindo a Educação Básica — e que, posteriormente, passou a ser usado no processo de seleção de algumas universidades, já que gera dados por estudante.
ADESÃO EM SÉRIE
Maioria dos estados tem ou já teve avaliação própria
Dados da pesquisa avaliação externa como instrumento da Gestão Educacional nos estados, da FVC, apurados em 2011. Crédito: Fábio de Lucca
As redes estaduais e municipais fizeram diferentes opções, ora ampliando o número de disciplinas avaliadas, ora criando uma prova extra específica para aferir um conteúdo específico, como a alfabetização. A maioria, porém, fica com uma só verificação de larga escala e diversifica os usos dos resultados obtidos. É o que revela a pesquisa A Avaliação Externa como Instrumento da Gestão Educacional nos Estados, da Fundação Victor Civita (FVC), coordenada pelo inglês Nigel Brooke, professor convidado da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), onde é membro do Grupo de Avaliações e Medidas Educacionais (Game). O estudo criou uma classificação para o destino dos dados gerados.
A euforia com o potencial das avaliações externas tem razão de ser. ?Elas estimulam a reflexão, o que é importante para o desenvolvimento geral das escolas, dos professores e dos alunos?, diz Thereza Penna Firme, coordenadora do Centro de Avaliação da Fundação Cesgranrio, do Rio de Janeiro, e membro da American Evaluation Association, associação norte-americana que reúne profissionais da área. ?Não tenho dúvida de que essa é uma contribuição importante no esforço geral para a melhoria da Educação no Brasil?, concorda Brooke em entrevista para esta edição especial (leia a entrevista com Nigel Bo).
ASSIM SÃO USADOS OS RESULTADOS DAS AVALIAÇÕES
A pesquisa criou uma classificação para as diversas aplicações dos dados obtidos. Confira.
CATEGORIA | UM EXEMPLO | DESCRIÇÃO DO CASO |
---|---|---|
Avaliação de programas, monitoramento, planejamento e pesquisa. |
Escolas de Referência (PE). | Monitoramento da implantação do período integral em escolas de Ensino Médio com base no desempenho dos alunos nas provas da avaliação externa do estado. |
Fornecimento de informações sobre a aprendizagem dos alunos para as escolas e definição de programas de formação continuada. |
Relatório Pedagógico (DF). | Informe detalhado elaborado pela Secretaria de Educação sobre o significado das notas obtidas nos testes do sistema de avaliacão distrital. |
Informação para a sociedade. | Boletim de Escolas (PR). | Relatório em linguagem simples distribuído para os gestores escolares e também para os pais com as médias obtidas nas provas aplicadas pelo estado até 2002 ? uma retomada está prometida para 2012. |
Alocação de recursos. | Aprender Mais (PE). | A rede financia a contratação de professores temporários para dar reforço escolar em Língua Portuguesa e Matemática para os alunos que não atingem as metas na avaliação estadual. |
Composição de políticas de incentivos salariais. |
Bonificação por Desempenho (SP). | Pagamento de bônus para toda a equipe escolar com base no rendimento global da unidade na apuração estadual de aprendizagem do ano anterior. |
Avaliação de desempenho do professor. |
Avaliação de Desempenho Individual (MG). | As notas obtidas na avaliação estadual fazem parte do conjunto de indicadores usado para avaliar os professores da rede. |
Certificação de alunos ou escolas. | Licença de funcionamento (DF). | Renovação da autorização de funcionamento de escolas particulares. |
Replanejamento é uma das finalidades das avaliações
Segundo a pesquisa, um dos usos mais frequentes dos números gerados é o monitoramento de programas das redes para verificar se os objetivos estão sendo atingidos. Embora sejam de grande utilidade para formular e ajustar políticas públicas, essas investigações de aprendizagem de grandes proporções não funcionam, por si só, como remédio para todos os males e se equivoca a rede que pensa assim. Consultor do Movimento Todos pela Educação, Mozart Neves Ramos afirma: ?Só adianta avaliar se houver vontade de mudar por parte da rede e se as escolas forem aparelhadas para tanto?.
É consenso entre os especialistas que a criação de diversos tipos de avaliação também não leva a soluções se as suas matrizes não estiverem alinhadas às expectativas de aprendizagem dos alunos. Afinal, se não houver um trabalho contínuo visando a formação em serviço para diretores, coordenadores pedagógicos e professores para que eles enfrentem as dificuldades do dia a dia ? além de orientações técnicas pontuais sobre os resultados das sondagens ?, a mera divulgação dos números não faz com que os professores revejam sua maneira de ensinar e produzam impactos na sala de aula (conheça melhor esse e outros mitos em torno das avaliações externas na reportagem 8 mitos sobre os testes de aprendizagem de larga escala).
Entre as sete finalidades das avaliações detectadas pelas pesquisa, Brooke considera algumas inadequadas. É o caso do seu emprego na análise da competência individual dos docentes para a tomada de decisões sobre sua carreira. Como os processos de ensino e de aprendizagem são complexos, não dá para julgar o mérito de um professor com base em apenas um indicador. Outro uso dos resultados que gera críticas entre os especialistas é a mera premiação de escolas. Isso porque esse tipo de iniciativa estimula a competição e compara instituições com realidades e condições de trabalho bem diversas. No fim desse processo, o dinheiro pode ir parar nas mãos daquelas que precisam menos, deixando na mesma situação as que mais necessitam de ajuda. Assim, corre-se o risco de criar ilhas de excelência e não haver medidas que levem à melhoria do sistema como um todo. Por outro lado, há grande concordância que utilizar as informações geradas pelas avaliações para identificar as áreas mais carentes para providenciar reforços materiais e humanos é uma boa medida a tomar.
A onda é boa. Só requer um pouco de cautela para evitar tropeços
Que as avaliações foram um avanço na Educação brasileira, não há dúvida. Porém ainda falta ao país um planejamento global para otimizar o uso desse recurso e, ao mesmo tempo, aprofundar os resultados e complementá-los com a incorporação de instrumentos diversificados. Para a cadeia ser perfeita, Neves Ramos sugere que as redes estimulem as escolas a fazer autoavaliações: A análise feita pela instituição sobre a sua gestão, seus professores e alunos e o ambiente vai prepará-la para receber o olhar externo?.
Além de sofisticar cada vez mais as estratégias de verificação para colher dados que o governo federal não apura e cruzar informações (o que torna os resultados mais precisos), estados e municípios que investem em sistemas próprios de avaliação devem ficar atentos a outras medidas capazes de levá-los a tirar o máximo de proveito dos resultados. Uma delas é formular os testes com base nos objetivos almejados ? pois cada finalidade requer um modelo. Outra é garantir a frequência e a continuidade, já que os dados de um só ano não dizem muito sobre a qualidade do ensino oferecido por uma rede ou escola. Finalmente, é necessário alimentar as expectativas certas. ?As avaliações dão parâmetros úteis ao planejamento da escola e das secretarias, mas um risco que se corre é tratar o processo educacional como se ele se resumisse ao desempenho nessas provas?, avisa Sandra Zákia, da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP). E conclui: Precisamos ter cautela para não incorrer no reducionismo de limitar a noção de qualidade de ensino aos padrões dos testes.”
Fonte: Nova Escola.