Cristãos ou palhaços?
Quando fazia o mestrado com os padres Jesuítas eu li o livro Introdução ao cristianismo, de Joseph Ratzinger, escrito antes de ele se tornar o papa Bento XVI [109]. Já na introdução, ele conta uma parábola descrita originalmente por Kierkegaard, um grande filósofo do século 19, sobre um palhaço e seu desafio de alertar a todos sobre um incêndio que começara.
“Certa vez houve um incêndio num circo ambulante na Dinamarca. O diretor mandou imediatamente o palhaço, que já se encontrava vestido e maquilado a caráter, para a vila mais próxima, para que buscasse ajuda, advertindo de que existia o perigo de o fogo se espalhar pelos campos ceifados e ressequidos, com risco iminente para as casas do próprio povoado. O palhaço correu até a vila e pediu aos moradores que viessem ajudar a apagar o incêndio que estava destruindo o circo. Mas os habitantes viram nos gritos do palhaço apenas um belo truque de publicidade que visava levá-los em grande número às apresentações do circo; aplaudiam e morriam de rir. Diante dessa reação, o palhaço sentiu mais vontade de chorar do que de rir. Fez de tudo para convencer as pessoas de que não estava representando, de que não era um truque e sim um apelo da maior seriedade: tratava-se realmente de um incêndio. Mas a sua insistência só fazia aumentar os risos, achavam excelente a sua performance – até que o fogo alcançou de fato a vila. Aí já era tarde, e o fogo acabou destruindo não só o circo, como também o povoado.”
Na aplicação de Ratzinger, o palhaço seria um teólogo que tenta alertar ao mundo moderno usando uma roupagem medieval que não traz credibilidade alguma, ou seja, o desafio é apresentar ao mundo de hoje uma mensagem que tem trajes e pensamentos da Antiguidade. Muito bem ponderado. Contudo, tomo licença para ir em outra direção.
O problema da estória, a meu ver, não está com na mensagem nem na roupa, mas no mensageiro. Ele sempre se portou como palhaço, falou como palhaço, viveu de tirar gargalhadas das pessoas e agora que precisa falar sério, ninguém lhe dá atenção. Assim também será comigo e com todos os que professam servir a Deus.
Tomando novamente o cristianismo como estudo de caso: todas as vezes que falo de Cristo, mas não vivo como ele viveu, pareço um palhaço com uma mensagem certa. O fogo pode até ser verdadeiro e o perigo iminente, mas tudo não passará de uma grande piada. Sei que existem os que zombam por puro amor da zombaria. São doentes emocionais que, por fugirem da responsabilidade, não conseguem levar nada a sério. Contudo, isso não olvida a realidade de que minha conduta pode fazer da cruz objeto de escárnio. Citando um trecho do profeta Isaías, Paulo escreveu aos cristãos de Roma: “Como está escrito: O nome de Deus é blasfemado entre os povos, por causa de vocês” (Romanos 2:24).
[109] Joseph Ratzinger. Introdução ao cristianismo. Preleções sobre o símbolo apostólico (São Paulo, Herder/Loyola, 1970), p. 9.
Fonte: Rodrigo P. Silva. O Ceticismo da Fé, p. 150-151.
Correções ortográficas por Hendrickson Rogers.