Você é cristão? Como está seu marketing do Cristo?
Se tem um negócio que, a despeito de crises, gera muitos resultados é a publicidade e propaganda. Um marketing bem-feito pode dar muito lucro, mas também muito prejuízo. Há vários casos de empresas que perderam grande quantia de dinheiro por causa de um comercial que não saiu direito.
Um caso, porém, não se deveu ao trabalho dos publicitários, mas ao garoto-propaganda. A gafe do protagonista lhe custou patrocinadores e muito dinheiro, mais de 1 milhão de dólares em prejuízo. Estou falando do nadador americano Ryan Lochte, que foi pego mentindo nas Olimpíadas do Rio 2016. Ele inventou um assalto à mão armada, apenas para esconder do público uma noite de farra fora do alojamento. Quando estourou o escândalo, marcas parceiras caíram fora do patrocínio, entre elas a Speedo. O episódio feriu a credibilidade do atleta e causou problemas para o time americano. Nenhuma marca queria mais ser vista como patrocinadora do Pinóquio das piscinas.
Das Olímpiadas para Bíblia, não é muito diferente em relação ao cristianismo. O apóstolo Paulo declarou certa vez que os cristãos seriam “o bom perfume de Cristo” (2 Coríntios 2:15). Não creio que esteja cometendo nenhum erro hermenêutico se disser que isso equivaleria hoje a dizer: “os cristãos são (ou deveriam ser) a boa propaganda de Cristo”. Mas nem sempre é assim.
Não sou perfeito, mas procuro sempre me lembrar de que minha vida pode ser a única Bíblia que muitos leem fora da igreja e, dependendo da situação, isso pode não ser muito bom. Daí a responsabilidade daqueles que dizem
crer em Deus. Já ouvi falar que Gandhi dizia não ser cristão por causa dos cristãos. A princípio julguei ser frase de Internet, como as milhares falsamente atribuídas a Clarice Lispector, Einstein, Charlie Chaplin, John Lennon e outros. Mas depois de ver que vários biógrafos de Gandhi confirmam o dito, resolvi dar mais atenção a ele e me arrepiei ao ver o contexto que o envolveu.
Tudo começa com o trabalho de um missionário metodista, Eli Stanley Jones, que partiu para a Índia em 1907 a fim de pregar o evangelho. Ao chegar lá, ele se dedicou às classes mais baixas da população, incluindo os dalits – como faria posteriormente Madre Teresa de Calcutá. Por se envolver ativamente com grupos assistenciais, ele acabou fazendo amizade com muitos líderes do movimento de libertação da Índia, dentre eles, um certo Sr. Gandhi, que ainda não havia se tornado o famoso “Mahatma”, isto é, a Grande Alma. Em várias de suas obras, mas especialmente o Mahatma Gandhi: An Interpretation (1948), é possível encontrar excertos de sua correspondência pessoal com o grande libertador da Índia. Sua franqueza ao falar do cristianismo é estarrecedora.
Mesmo sendo considerado um Billy Graham da Índia – um título, a meu ver, anacrônico –, Jones não escondeu o fato de que fora ali para pregar Jesus e saíra de lá com a sensação de que foi Gandhi quem o evangelizou, tornando-o um promotor do pacifismo. Tanto que Jones foi indicado em 1948 para o Prêmio Nobel da Paz por seu trabalho de reconciliação na Ásia, África, e entre o Japão e os Estados Unidos.
Veja o que Jones escreveu sobre o amigo e líder indiano: “Deus faz uso de muitos instrumentos; e Ele pode ter recorrido ao Mahatma Gandhi para cristianizar um cristianismo não cristão”. [105]
Agora perceba o caos de um mau exemplo. Jones conta que uma vez Gandhi considerou se tornar cristão e chegou a frequentar uma igreja metodista, mas “a igreja era feia, irmãos sonolentos durante o sermão… naquela atmosfera fria e indiferente, [ele] foi compelido a desistir de frequentar aquela igreja […] – Aquela decisão que Gandhi tomou afetou o destino de quatrocentos milhões de pessoas na Índia”. [106]
É que Jones pensava que, por causa de sua influência no país, se Gandhi houvesse se tornado seguidor de Jesus Cristo, talvez a Índia fosse hoje o maior país cristão do mundo. Um episódio, ocorrido na África do Sul, em pleno regime do Apartheid, tornou a rejeição de Gandhi pelo cristianismo ainda mais acirrada. Os detalhes abaixo foram publicados na Christianity Today. Jones não conta todos os detalhes, mas aponta para sua historicidade:
“Quando [Gandhi] era um jovem advogado, ele ficou atraído pela fé cristã, pois tinha estudado a Bíblia e os ensinamentos de Jesus. Estava explorando seriamente a possibilidade de tornar-se um cristão, quando decidiu assistir a um culto em uma igreja local. Mas, assim que subiu os degraus, o ancião da igreja, um sul-africano branco, barrou seu caminho na porta.
– Aonde você pensa que vai, kaffir [tratamento pejorativo dado aos negros e estrangeiros]?
– perguntou o ancião em um tom de voz beligerante. Gandhi replicou:
– Eu gostaria de assistir ao culto, aqui.
Mas o ancião rosnou:
– Não existe lugar para kaffirs nesta igreja. Fora daqui ou eu chamarei meus assistentes para atirá-lo escada abaixo. [107]
Depois de um episódio desses, fica difícil dizer alguma coisa que amenize a situação, não é mesmo? Mas, ao que parece, Gandhi, embora negasse a possibilidade de se tornar um cristão, não perdeu a admiração pelos ensinos de Jesus, especialmente o Sermão da Montanha. Quando ele e Jones se encontraram pela primeira vez, o missionário não hesitou em perguntar-lhe o que os cristãos poderiam fazer para que o cristianismo fosse mais naturalmente aceito na Índia, e não mais identificado com uma cultura de opressão, vinda de um governo estrangeiro. Veja o que ele respondeu:
– Em primeiro lugar eu gostaria de sugerir que todos vocês, pastores, missionários e cristãos, vivessem mais à semelhança de Cristo. Que vocês pratiquem a vossa religião sem adulterá-la ou torcer a sua mensagem. Que vocês amem mais e enfatizem o amor, pois o amor é a mensagem central do cristianismo. Estudem mais a religião alheia e procurem por alguma coisa boa que possa existir nelas, no sentido de serem mais simpáticos com aqueles que são diferentes. [108]
[105] E. Stanley Jones. The Christ of the Indian Road (London: Hodder & Stoughton, 1925), p. 86.
[106] E. Stanley Jones. A conversão (São Paulo: Imprensa Metodista, 1984).
[107] O episódio é descrito em <http://www.christiantoday.co.in/article/mahatma.gandhi.and.christianity/2837.htm; veja também: E. Stanley Jones. Gandhi: An Interpretation (New York: The Abingdon Press, 1958), p. 73ss.
[108] E. Stanley Jones. Gandhi: An Interpretation (New York: The Abingdon Press, 1958), p. 51,52.
Fonte: Rodrigo P. Silva. O Ceticismo da Fé, p. 147-150.
Correção ortográfica por Hendrickson Rogers.