O elevado valor da Bíblia na vida dos antigos cristãos valdenses e o refúgio nas montanhas
Por trás dos elevados baluartes das montanhas — em todos os tempos refúgio dos perseguidos e oprimidos — os valdenses encontraram esconderijo. Ali, conservou-se a luz da verdade a arder por entre as trevas da Idade Média. Ali, durante mil anos, testemunhas da verdade mantiveram a antiga fé. Deus providenciara para Seu povo um santuário de majestosa grandeza, de acordo com as extraordinárias verdades confiadas à sua guarda. Para os fiéis exilados, eram as montanhas um emblema da imutável justiça de Jeová.
Apontavam eles a seus filhos as alturas sobranceiras, em sua imutável majestade, e falavam-lhes dAquele em quem não há mudança nem sombra de variação, cuja Palavra é tão perdurável como os montes eternos. Deus estabelecera firmemente as montanhas e as cingira de fortaleza; braço algum, a não ser o do Poder infinito, poderia movê-las do lugar. De igual maneira estabelecera Ele a Sua lei —fundamento de Seu governo no Céu e na Terra. O braço do homem poderia atingir a seus semelhantes e destruir-lhes a vida; mas esse braço seria tão impotente para desarraigar as montanhas de seu fundamento e precipitá-las no mar, como para mudar um preceito da lei de Jeová ou anular qualquer de Suas promessas aos que Lhe fazem a vontade.
Na fidelidade para com a Sua lei, os servos de Deus deviam ser tão firmes como os outeiros imutáveis. As montanhas que cingiam os fundos vales eram testemunhas constantes do poder criador de Deus e afirmação sempre infalível de Seu cuidado protetor. Esses peregrinos aprenderam a amar os símbolos silenciosos da presença de Jeová. Não condescendiam com murmurações por causa das agruras da sorte; nunca se sentiam abandonados na solidão das montanhas. Agradeciam a Deus por haver-lhes provido refúgio da ira e crueldade dos homens. Regozijavam-se diante dEle na liberdade de prestar culto. Muitas vezes, quando perseguidos pelos inimigos, a fortaleza das montanhas se provara ser defesa segura. De muitos rochedos elevados entoavam eles louvores a Deus e os exércitos de Roma não podiam fazer silenciar seus cânticos de ações de graças.
Pura, singela e fervorosa era a piedade desses seguidores de Cristo. Os princípios da verdade, avaliavam-nos eles acima de casas e terras, amigos, parentes e mesmo da própria vida. Semelhantes princípios ardorosamente procuravam eles gravar no coração dos jovens. Desde a mais tenra infância os jovens eram instruídos nas Escrituras, e ensinava-se-lhes a considerar santos os requisitos da lei de Deus. Sendo raros os exemplares das Escrituras Sagradas, eram suas preciosas palavras confiadas à memória. Muitos eram capazes de repetir longas porções tanto do Antigo como do Novo Testamento. Os pensamentos de Deus associavam-se ao sublime cenário da Natureza e às humildes bênçãos da vida diária. Criancinhas aprendiam a olhar com gratidão a Deus como o Doador de toda
mercê e conforto.
Os pais, ternos e afetuosos como eram, tão sabiamente amavam os filhos que não permitiam que se habituassem à condescendência própria. Esboçava-se diante deles uma vida de provações e agruras, talvez a morte de mártir. Eram ensinados desde a infância a suportar rudezas, a sujeitar-se ao domínio, e contudo a pensar e agir por si mesmos. Muito cedo eram ensinados a encarar responsabilidades, a serem precavidos no falar e a compreenderem a sabedoria o silêncio. Uma palavra indiscreta que deixassem cair no ouvido dos inimigos, poderia pôr em perigo não somente a vida do que falava, mas a de centenas de seus irmãos; pois, semelhantes a lobos à caça da presa, os inimigos da verdade perseguiam os que ousavam reclamar liberdade para a fé religiosa. Os valdenses haviam sacrificado a prosperidade temporal por amor à verdade, e com paciência perseverante labutavam para ganhar o pão.
Cada recanto de terra cultivável entre as montanhas era cuidadosamente aproveitado; fazia-se com que os vales e as encostas menos férteis das colinas também produzissem. A economia e a severa renúncia de si próprio formavam parte da educação que os filhos recebiam como seu único legado. Ensinava-se-lhes que Deus determinara fosse a vida uma disciplina e que suas necessidades poderiam ser supridas apenas mediante o trabalho pessoal, previdência, cuidado e fé. O processo era laborioso e fatigante, mas salutar, precisamente o de que o homem necessita em seu estado decaído — escola que Deus proveu para o seu ensino e desenvolvimento.
Enquanto os jovens se habituavam ao trabalho e asperezas, a cultura do intelecto não era negligenciada. Ensinava-se-lhes que todas as suas capacidades pertenciam a Deus, e que deveriam todas ser aperfeiçoadas e desenvolvidas para o Seu serviço. As igrejas valdenses, em sua pureza e simplicidade, assemelhavam-se à igreja dos tempos apostólicos. Rejeitando a supremacia do papa e prelados, mantinham a Escritura Sagrada como a única autoridade suprema, infalível. Seus pastores, diferentes dos altivos sacerdotes de Roma, seguiam o exemplo de seu Mestre que “veio não para ser servido, mas para servir.” Alimentavam o rebanho de Deus, guiando-os às verdes pastagens e fontes vivas de Sua santa Palavra. Longe dos monumentos da pompa e orgulho humano, o povo congregava-se, não em igrejas suntuosas ou grandes catedrais, mas à sombra das montanhas nos vales alpinos, ou, em tempo de perigo, em alguma fortaleza rochosa, a fim de escutar as palavras da verdade proferidas pelos servos de Cristo.
Os pastores não somente pregavam o evangelho, mas visitavam os doentes, doutrinavam as crianças, admoestavam aos que erravam e trabalhavam para resolver as questões e promover harmonia e amor fraternal. Em tempos de paz eram sustentados por ofertas voluntárias do povo; mas, como Paulo, o fabricante de tendas, cada qual aprendia um ofício ou profissão, mediante a qual, sendo necessário, proveria o sustento próprio. De seus pastores recebiam os jovens instrução. Conquanto se desse atenção aos ramos dos conhecimentos gerais, fazia-se da Escritura Sagrada o estudo principal. Os evangelhos de Mateus e João eram confiados à memória, juntamente com muitas das epístolas.
Também se ocupavam em copiar as Escrituras. Alguns manuscritos continham a Bíblia toda, outros apenas breves porções, a que algumas simples explicações do texto eram acrescentadas por aqueles que eram capazes de comentar as Escrituras. Assim se apresentavam os tesouros da verdade durante tanto tempo ocultos pelos que procuravam exaltar-se acima de Deus. Mediante pacientes e incansáveis labores, por vezes nas profundas e escuras cavernas da Terra, à luz de archotes, eram copiadas as Escrituras Sagradas, versículo por versículo, capítulo por capítulo. Assim a obra prosseguia, resplandecendo, qual ouro puro, a vontade revelada de Deus; e quanto mais brilhante, clara e poderosa era por causa das provações que passavam por seu amor, apenas o poderiam compreender os que se achavam empenhados em obra semelhante. Anjos celestiais circundavam os fiéis obreiros.
Satanás incitara sacerdotes e prelados a enterrarem a Palavra da verdade sob a escória do erro, heresia e superstição; mas de modo maravilhosíssimo foi ela conservada incontaminada através de todos os séculos de trevas. Não trazia o cunho do homem, mas a impressão divina. Os homens se têm demonstrado incansáveis em seus esforços para obscurecer o claro e simples sentido das Escrituras, e fazê-las contradizerem seu próprio testemunho; porém, semelhante à arca sobre as profundas águas encapeladas, a Palavra de Deus leva de vencida as borrascas que a ameaçam de destruição. Assim como tem a mina ricos veios de ouro e prata ocultos por sob a superfície, de maneira que todos os que desejam descobrir os preciosos depósitos devem cavar, assim as Sagradas Escrituras têm tesouros de verdade que são revelados unicamente ao ardoroso, humilde e devoto pesquisador.
Deus destinara a Bíblia a ser um compêndio para toda a humanidade, na infância, juventude e idade madura, devendo ser estudada através de todos os tempos. Deu Sua Palavra aos homens como revelação de Si mesmo. Cada nova verdade que se divisa é uma nova revelação do caráter de seu Autor. O estudo das Escrituras é o meio divinamente ordenado para levar o homem a mais íntima comunhão com seu Criador e dar-lhe mais claro conhecimento de Sua vontade. É o meio de comunicação entre Deus e o homem.
Fonte: O Grande Conflito, p. 63-67.