novembro 21, 2024

Blog do Prof. H

Adaptando conhecimento útil às necessidades da humanidade

As impossibilidades do determinismo causal universal e da visão compatibilista da liberdade humana

[Meus comentários estão após a referência/fonte, como notas associadas à numeração sobrescrita encontrada ao longo do texto. Hendrickson Rogers.]

Dr. Craig,

estou preocupado com o grande número de calvinistas que, pelo que vejo, são dos líderes cristãos incrivelmente inteligentes e dignos de confiança, mas parecem enfiar dos a cabeça na areia quando se trata do problema do mal. Se não fazem isso, então tendem a fazer de Deus um ser que se contradiz. Por que acha que isso acontece?

Também estou pessoalmente preocupado com a pequena quantidade de líderes que vejo defendendo o molinismo. [1] Parece-me que ele responde à maioria das perguntas e cria menos problemas. Entendo que possa ser complexo, mas não creio que possamos simplesmente nos conformar em ver o problema do mal ficar sem resposta. Não baseio aquilo em que acredito nas crenças alheias, mas não podemos ignorar a influência que outros têm em nossa vida, ou o desejo de estar em sintonia com outros quando se trata desses pensamentos.

De qualquer forma, eu apreciaria suas opiniões… como sempre aprecio.

Obrigado.

Gordon.

Penso que você tem razão, Gordon, que um grande número de líderes cristãos inteligentes e piedosos são reformados, ou seguidores de João Calvino, em sua teologia. Atualmente estou participando, juntamente com dois teólogos reformados, de um livro que apresenta quatro pontos de vista sobre a providencia divina. Fica evidente, a partir de suas contribuições, que, apesar dos quebra-cabeças intelectuais levantados pela visão reformada, ambos a adotam porque estão convencidos de que ela representa mais fielmente o ensino das Escrituras sobre o assunto, sendo que as Escrituras são a única regra autorizada de fé.

Na verdade, não tenho nenhum problema com certas afirmações clássicas da visão reformada. Por exemplo, a Confissão de Westminster (Seção III) declara que:

Desde toda a eternidade, Deus, pelo muito sábio e santo conselho da sua própria vontade, ordenou livre e inalteravelmente tudo quanto acontece, porém de modo que nem Deus é o autor do pecado, nem violentada é a vontade da criatura, nem é tirada a liberdade ou contingência das causas secundárias, antes estabelecidas.

Ora, isso é precisamente o que crê o molinista! A Confissão afirma a pré-ordenação de Deus de tudo o que acontece, assim como a liberdade e a contingência da vontade da criatura, de modo que Deus não é o autor do pecado. É uma tragédia que, ao rejeitar o conhecimento médio, os teólogos reformados tenham se privado da explicação mais compreensível da coerência dessa maravilhosa confissão.

Aceitar uma solução ou um mistério

Ao rejeitar uma doutrina da providência divina baseada no conhecimento médio de Deus, os teólogos reformados são, simplesmente e como eles próprios admitem, deixados com um mistério. Francis Turretin, o grande teólogo reformado do século 17, defendia que uma análise cuidadosa das Escrituras leva a duas conclusões indubitáveis, as quais devem ser mantidas em tensão sem comprometer nenhuma das duas: que Deus, por um lado, por sua providência não só decretou, mas certamente assegura a ocorrência de todas as coisas, sejam elas livres ou contingentes; que o homem, por outro lado, no entanto, é sempre livre para agir e muitos efeitos são contingentes. Embora eu não consiga entender como elas podem estar mutuamente interligadas, no entanto (apesar de ignorarmos o modo), toda a coisa em si (algo que é certo com base em outra fonte, i.e., a Palavra) não é questionada nem totalmente negada. [2]

Turretin afirma, sem concessões, tanto a soberania de Deus quanto a liberdade humana e a contingência; ele só não sabe como juntá-las. O molinismo oferece uma solução. Ao rejeitar essa solução, o teólogo reformado fica com um mistério. Não há nada de errado com o mistério em si (a interpretação física correta da mecânica quântica é um mistério!). [3] O problema é que alguns teólogos reformados, como meus dois colaboradores no livro dos quatro pontos de vista, tentam resolver o mistério defendendo um determinismo causal universal divino e uma visão compatibilista de liberdade humana. De acordo com essa perspectiva, a maneira pela qual Deus soberanamente controla tudo o que acontece é fazendo com que aconteça, e a liberdade é reinterpretada para ser coerente com o ser causalmente determinado por fatores externos a si mesmo.

É essa visão, que afirma o determinismo universal e o compatibilismo, que se depara com os problemas que você menciona. Fazer de Deus o autor do mal é apenas um dos problemas que essa visão neorreformada enfrenta. [4] Ao menos outros cinco problemas imediatamente vêm à mente:

1. O DETERMINISMO CAUSAL UNIVERSAL DIVINO NÃO PODE OFERECER UMA INTERPRETAÇÃO COERENTE DAS ESCRITURAS.

Os teólogos reformados clássicos reconhecem isso. Eles reconhecem que a reconciliação de textos bíblicos que afirmam a liberdade humana e a contingência com textos bíblicos que afirmam a soberania divina é algo inescrutável. D. A. Carson [5] identifica nove linhas de textos que afirmam a liberdade humana:

(1) aqueles em que as pessoas encaram uma infinidade de exortações e comandos divinos,
(2) aqueles em que é dito para as pessoas obedecerem, crerem e escolherem a Deus,
(3) aqueles em que as pessoas pecam e se rebelam contra Deus,
(4) aqueles em que os pecados das pessoas são julgados por Deus,
(5) aqueles em que as pessoas são provadas por Deus,
(6) aqueles em que as pessoas recebem recompensas divinas,
(7) aqueles em que os eleitos são responsáveis por responder à iniciativa de Deus,
(8) aqueles em que as orações não são meras peças de exibição escritas por Deus e
(9) aqueles em que Deus praticamente suplica para que os pecadores se arrependam e sejam salvos.

Essas passagens descartam um entendimento determinista da providência divina, o qual impediria a liberdade humana. Deterministas conciliam o determinismo causal universal divino com a liberdade humana reinterpretando a liberdade de acordo com os compatibilistas. O compatibilismo implica em determinismo, portanto, não há mistério aqui. O problema é que adotar o compatibilismo alcança essa reconciliação [dos textos] somente à custa de negar algo que vários textos bíblicos parecem afirmar: a genuína indeterminação e contingência.

2. O DETERMINISMO CAUSAL UNIVERSAL NÃO PODE SER RACIONALMENTE AFIRMADO.

Há uma espécie de caráter vertiginoso e autodestrutivo no determinismo, pois se alguém passa a acreditar que o determinismo é verdadeiro, tem de acreditar que o motivo pelo qual veio a acreditar nisso é simplesmente o fato de que estava determinado a isso. Ele, na verdade, não foi capaz de pesar os prós e contras e livremente tomar sua decisão com base nessa avaliação. A diferença entre a pessoa que pesa os argumentos em favor do determinismo e os rejeita e a pessoa que os pesa e aceita está totalmente em que uma foi determinada por fatores causais, que estão fora de si mesma, a acreditar e a outra, a não acreditar. Quando você percebe que sua decisão de acreditar no determinismo foi determinada e que até mesmo sua presente compreensão desse fato nesse exato momento é igualmente determinada, surge uma espécie de vertigem, pois tudo o que você pensa, até mesmo esse próprio pensamento [que está tendo agora], está fora de seu controle. O determinismo poderia ser verdade; mas é muito difícil ver como isso poderia ser racionalmente afirmado, já que sua afirmação enfraquece a racionalidade de sua própria afirmação.

3. O DETERMINISMO UNIVERSAL DIVINO FAZ DE DEUS O AUTOR DO PECADO E EXCLUI A RESPONSABILIDADE HUMANA.

Em contraste com a visão molinista, na perspectiva determinista até mesmo o movimento da vontade humana é causado por Deus. Deus move as pessoas a escolher o mal, e elas não podem fazer diferente. Deus determina suas escolhas e as faz agir errado. Se é mau fazer com que outra pessoa faça o mal, então nessa visão Deus não é somente a causa do pecado e do mal, mas se torna próprio mal, o que é absurdo. Da mesma forma, toda a responsabilidade humana pelo pecado foi removida, pois nossas escolhas não dependem realmente de nós: Deus nos leva a fazê-las. Não podemos ser responsáveis por nossas ações, pois nada que pensamos ou fazemos depende de nós.

4. O DETERMINISMO UNIVERSAL DIVINO ANULA A ATUAÇÃO HUMANA.

Já que nossas escolhas não dependem de nós, mas são causadas por Deus, os seres humanos não podem ser considerados verdadeiros agentes. Eles são meros instrumentos por meio dos quais Deus age para produzir algum efeito, como um homem que usa uma vara para mover uma pedra. É claro que as causas secundárias conservam todas as suas propriedades e poderes como causas intermediárias, conforme os teólogos reformados nos lembram, assim como um pedaço de pau conserva as suas propriedades e poderes que o tornam adequado para os fins de quem o usa. Pensadores reformados não precisam ser ocasionalistas como Nicholas Malebranche, que sustentava que Deus é a única causa que existe. No entanto, essas causas intermediárias não são agentes em si, mas meras causas instrumentais, pois não têm poder para iniciar a ação. Por isso, é duvidoso que no determinismo divino realmente haja no mundo mais de um agente, a saber, Deus. Essa conclusão não somente entra em conflito com nosso conhecimento de nós mesmos como agentes, mas também torna inexplicável a razão de Deus, então, nos tratar como agentes, mantendo-nos responsáveis por aquilo que ele nos fez fazer e nos usou para fazer.

5.O DETERMINISMO UNIVERSAL DIVINO TORNA A REALIDADE UMA FARSA.

Pela visão determinista, o mundo todo se transforma em um espetáculo vão e vazio. Não há agentes livres em rebelião contra Deus, a quem ele procure conquistar por meio de seu amor, e não há ninguém que responda livremente a esse amor nem ninguém que livremente ofereça em troca seu amor e louvor a Deus. Todo o espetáculo é uma charada, cujo único ator de verdade é o próprio Deus. Tenho convicção de que, longe de glorificar a Deus, a visão determinista denigre a Deus pelo engajamento em tal charada ridícula. É profundamente insultante para Deus pensar que ele criaria seres que são causalmente determinados por ele em todos os aspectos, e então tratá-los como se fossem agentes livres, punindo-os pelas ações erradas que ele os fez fazer, ou amá-los como se fossem agentes que respondem livremente. Deus seria como uma criança que posiciona seus soldadinhos de brinquedo e os move em seu mundo de brinquedo, fingindo que são pessoas reais, cujos movimentos não são de fato seus, e fingindo que elas merecem louvor ou culpa. Estou certo de que os de terministas reformados, em contraste com os teólogos reformados clássicos, ficarão indignados com tal comparação. Mas por que ela é inadequada para a doutrina do determinismo causal universal divino é um mistério para mim.

Informar teólogos pode aumentar a aceitação do molinismo

Então, por que tantos líderes cristãos inteligentes e fiéis aderem ao calvinismo? Penso que o tipo de calvinismo representado pela declaração citada anteriormente, extraída da Confissão de Westminster, é um resumo fiel do ensino das Escrituras e, portanto, merece crédito. Somente quando se vai além dele para tentar resolver o mistério com a adoção do determinismo e do compatibilismo é que ele se vê em dificuldades. Assim, desde que esses líderes cristãos se contentem em permanecer com o mistério, creio que a posição deles é razoável. A grande maioria deles tem, provavelmente, pouco entendimento do molinismo e, portanto, simplesmente não dispõe de informações suficientes para tomar uma decisão.

Alguns anos atrás fiz uma preleção sobre o conhecimento médio no Westminster Seminary, em San Diego, e no meio da sessão de perguntas e respostas depois da minha palestra, um dos professores disse: “Estou envergonhado de dizer, dr. Craig, que nós não estamos nem mesmo em condições de discutir isso com você, porque simplesmente não estamos nada familiarizados com o que você está falando”. Ele estava envergonhado, como teólogo profissional, por ser tão ignorante acerca desses debates. Em contrapartida, alguns teólogos que pertencem à tradição reformada se inclinaram para o molinismo. Quando ministrei a série de palestras Stob, no Calvin College and Seminary, fiquei chocado quando os teólogos no seminário me disseram que eram todos molinistas! Cada vez mais encontro pessoas que estão se movendo na direção molinista (tanto do extremo do calvinismo quanto do extremo do teísmo aberto!).

Portanto, não seja muito duro com nossos irmãos calvinistas. Ofereça-lhes algo melhor, e espere que eles o adotem.

INSIGHT

Por mais simples que esse conselho possa parecer, na verdade, ele pode ter muito a contribuir, como sugere o caso exposto pelo dr. Craig. Uma maneira de sugerir ainda “algo melhor” é considerar se o relacionamento entre Deus e os seres humanos, sem mencionar o relacionamento de Deus com o seu povo, é de fato possível de ser vivido se a suposição reformada (determinismo causal universal divino) for verdadeira. Ou seja, quais são as razões existenciais para se viver a vida relevante decorrente dessa suposição? É algo atrativo? Gera esperança? Parece refletir a experiência das pessoas (de uma perspectiva histórica, para não falar em sua própria experiência) no relacionamento com Deus?

Fonte: CRAIG, Willian Lane; GORRA, Joseph E. A razão da nossa fé: respostas a perguntas difíceis sobre Deus, o cristianismo e a Bíblia. São Paulo: Vida Nova, 2018, p. 197 – 203.

Notas:

1. Do jesuíta Luís de Molina: livre-arbítrio humano sob o controle providencial divino.

2. Veja, p. ex., Francis Turrentin, Institutes of elenctic theology, tradução para o inglês de George Musgrave Giger (Phillipsburg: P&R, 1997), 3 vols, 1:512.

3. Após conversar com um astrofísico sobre essa frase de Craig “a interpretação física correta da mecânica quântica é um mistério! “e o capítulo 16 intitulado Intuição Racional, do livro O Ceticismo da Fé, de Rodrigo P. Silva, obtive o seguinte comentário:

“Dependendo do que se entende por interpretação física, essa frase não está errada, mas eu não colocaria nesses termos.

Matematicamente, a Mecânica Quântica é simples e elegante, sua interpretação física é direta e acurada.

Se, para a Matemática, a Mecânica Quântica é simples, acurada e permite prever corretamente uma infinidade de fenômenos, para a Filosofia permanece um grande mistério, pois esta se baseia na “razão humana”, melhor denominada de “intuição humana”, que é algo bem frágil e que erra com facilidade.

O que eu chamo de interpretação física é simplesmente a aplicação (no sentido formal) cujo domínio é uma estrutura algébrica (exemplo, espaços de Hilbert munidos de operadores hermitianos) e cuja imagem pertence à realidade física ou algo que tenha a ver com ela (ex.: espaço tangente a uma “continuização” do espaço físico). Nesse sentido, a Mecânica Quântica tem uma interpretação simples e direta.

O que muitos chamam de interpretação física é um amálgama de filosofia com elementos técnicos, e o resultado não tem sido bom, como é evidenciado por frases como a que você citou. Por outro lado, esse amálgama tem levantado questões muito interessantes, algumas das quais ainda não foram respondidas satisfatoriamente.

Outro sentido interessante da expressão “interpretação física” tem a ver com implicações ou com fenômenos ainda não confirmados que podem estar ligados ao que descobrimos sobre o mundo quântico. Por exemplo, será que a Mecânica Quântica implica em que existem cópias de nós tomando caminhos diferentes dos nossos? Bem, não vejo uma implicação direta, mas ela dá pistas bastante interessantes nesse sentido, o que nos leva a pensar que essas ramificações da realidade que a Mecânica Quântica apresenta são não apenas possibilidades, mas uma realidade.

Resumindo, existem sim questões e mistérios a serem resolvidos no domínio quântico e uma boa parte disse pode ser colocada na conta da tal “interpretação física”, que para mim é apenas um abuso de linguagem. Além disso, tentar usar a Filosofia para entender a Mecânica Quântica tem sido frustrante, pois a Filosofia é a ferramenta errada para entender a realidade mais ampla. O papel dela é organizar o entendimento humano, mas a base que tem sido usada para isso, direta ou indiretamente, é a intuição, que não funciona quando o assunto se afasta ou pouco do cotidiano. Quem parte dessa base, terá desnecessariamente uma enorme dificuldade de entender os fenômenos quânticos, de maneira que a Mecânica Quântica permanecerá envolta em uma nuvem de mistério para essas pessoas”.

4. O calvinismo (ou teologia reformada) gera o mistério contraditório do mal não criado por Deus, mas no contexto onde Deus manda em tudo o que existiu, existe e existirá.

O calvinismo determinista e compatibilista gera a contradição onde o próprio Deus ordenou a existência do mal, sendo portanto o pai do pai da mentira. Há uma tentativa de alterar o significado da palavra liberdade para que ela caiba nesse paradigma.

A Bíblia, no entanto, apresenta inúmeros e claros textos onde se evidenciam o indeterminismo e a contingência, no contexto do livre-arbítrio de Deus e da humanidade. No tópico 1, Craig cita Carson e suas nove maneiras de classificar tais textos bíblicos.

5. Veja D. A. Carson, Divine sovereignty and human responsibility: biblical perspective in tension (Eugene: Wipf & Stock, 2002), p. 18-22.


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(Hendrickson Rogers)

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