novembro 21, 2024

Blog do Prof. H

Adaptando conhecimento útil às necessidades da humanidade

No princípio havia caos ou vazio? O caos criou ou foi criado? Por que há música em vez de ruído?

Parmênides de Eleia, filósofo pré-socrático, imbuído de admiração perante a existência, afirmou no sexto fragmento do seu poema: “Há o que há”, “o ser é”. Ou ainda: “O certo é que existe alguma coisa, e isso é espantoso e prodigioso…!” Por causa de tal espanto, elaborou-se uma questão fundamental: “Por que há alguma coisa em vez de nada haver?” Essa intrigante pergunta gerou outra: “Por que há música em vez de ruído?” A primeira indagação nos coloca diante do mistério da existência; a segunda, chama nossa atenção para o fato de que a realidade segue um padrão ordenado. Então, se há música em vez de ruído, consequentemente a matéria não existe de forma desorganizada nem descontrolada. Percebemos – em todos os seus níveis – ordem, interdependência, beleza, funcionalidade e propósito, a indicarem um grau de planejamento estupendo. Diante dessa forte constatação, seria possível conceber o Universo como mero resultado do acaso e da ação de forças caóticas impessoais? Para o mundo pagão e na visão materialista de muitas mentes científicas modernas, sim; pelas lentes da cosmovisão judaico-cristã, jamais!

Na Teogonia, o poeta grego Hesíodo mostra o início do cosmos da seguinte maneira:

“Sim, bem primeiro nasceu Caos […]. / Do Caos, Érebo e Noite negra nasceram.”

Nos versos hesiódicos, o Caos – estágio primordial, estranha potência, vale profundo, espaço incomensurável – viria antes do cosmos, sendo o progenitor de toda a criação, “a base opaca e primária, o pressuposto pré-histórico de toda gênese”. O poeta romano Ovídio chamou-o rudis indigestaque moles (Metamorfoses 1,7), massa informe e confusa. Já os antigos nórdicos tinham um nome para o abismo primordial: Ginnungagap. O Gênesis, contudo, opõe-se diametralmente às concepções pagãs, como se vê no primeiro capítulo do livro bíblico, narrativa considerada mitologia judaica por muitos intérpretes equivocados. O princípio criacionista, todavia, não está só em Gênesis; perpassa a Escritura inteira mostrando que

“Ele [Deus] fez a terra com o Seu poder; Ele estabeleceu o mundo com a Sua sabedoria, e com a Sua inteligência estendeu os céus” (Jr 10:12).

Haja luz! Ela brilha desse relato único. Por conseguinte, as origens não derivam da obscuridade, mas da Causa pessoal jamais causada, que fez surgir o tempo e estabeleceu o Universo sobre leis físicas inabaláveis sustentadas por Seu poder sobrenatural.

Em Gênesis a criação é fruto da vontade divina que, sem esforço algum, profere ordens para o caos primitivo. Consoante o teólogo Laurence A. Turner,

“não existe a sugestão de que esse caos fosse uma força ativamente oposta a Deus, como em alguns mitos antigos do Oriente Médio, ou de que Deus tivesse criado algo de um padrão inferior”.

Outro teólogo, Richard M. Davidson, evita usar a palavra caos “para descrever essa condição do planeta antes da semana da criação. Alguns têm alegado que os termos tohu-bohu se referem a um ‘universo caótico’, não organizado’. Porém, o estudo cuidadoso […] mostra que esses termos se referem não ao caos, mas a um estado de ‘vazio improdutivo’ em Gênesis 1:2”.

Na queda humana em pecado surgiu uma nova condição, o grande conflito entre a ordem da criação e os elementos caóticos. Desde esse acontecimento, o caos se espalhou em todas as direções e em todos os lugares: na história milenar de nossa raça, na natureza, nas sociedades e no interior das pessoas – algo “onipresente”, bem notório e marcante na realidade física. O mundo natural, por exemplo, sofre com catástrofes, desastres ambientais, pandemias e outras ocorrências de grande alcance e terríveis resultados. Apesar de tão triste cenário, entretanto, “onde quer que você olhe, para o exterior ou para o interior, você vê ordem. Por mais que nosso mundo tenha sido danificado pelo pecado, ainda podemos ver a ação de nosso Criador no desígnio e na ordem do mundo natural”, refletiu certo observador da natureza. Para o ilustre francês Pierre P. Grassé, autor de um importante tratado de zoologia,

“se bem que nem tudo seja perfeito, o mundo dos seres vivos tem muito pouco de caótico, e a vida é consequência de uma ordem muito rigorosa. No momento em que aparece um fator de desordem, por ínfimo que seja, em um ser organizado, sobrevém nele a enfermidade e a morte. Os fenômenos vitais não acontecem com anarquia”.

A natureza, bastante combalida, ainda traz em sua estrutura a marca do projeto inteligente e a lembrança de sua perfeição original, além de apontar para a futura restauração. Sua mensagem é clara: “O mundo, embora caído, não é todo tristeza e miséria. […] Há flores sobre os cardos, e os espinhos acham-se cobertos de rosas.”

Quando o patriarca Jó recebeu uma enxurrada inexplicável de eventos caóticos, confundiu-se e não soube discernir o porquê de acontecimentos trágicos desabarem sobre si. Sendo um homem de fé, ele, no entanto, angustiou-se. Apenas quando Deus lhe apareceu, Jó pôde compreender que as forças da criação, ativas no grande conflito cósmico, continuavam dominadas. O Beemote e o Leviatã – respectivamente criaturas descomunais da terra e do mar (Jó 40:15; 41:1) – foram apresentados ao homem da terra de Uz como potências amedrontadoras que só Deus poderia subjugar. Dessa forma, pela experiência de Jó, somos convidados a olhar além das aparências contingenciais da vida a fim de discernir o Poder que controla e mantém a Terra. É por causa de Deus que o caos não reina inteiramente. Em razão Dele – no Qual “vivemos, e nos movemos, e existimos” (At 17:28) e em Quem todas as coisas subsistem –, a história, a natureza e a vida humana seguem em luta contra o absurdo.

Se “Deus não é Deus de desordem” (1 Co 14:33), que mensagem o caos avassalador pode comunicar ao homem contemporâneo, já que o século 21 é abissal, confuso e repleto de perplexidades? O caos clama e grita, indicando a necessidade de paz e harmonia em face da turbulência; ele representa a inquietude a convidar o agir imediato de Deus. As águas primitivas no princípio da criação, símbolos de agitação e barulho, revolviam-se nas trevas, rogando pela aproximação do Ordenador divino. Elas representam o movimento conturbado das “águas humanas” que aguardam a palavra do Criador para sossegar. A confusão é um anseio pela presença de Alguém capaz de criar um novo estado de coisas, pondo paz e harmonia na existência atribulada:

“Salva-me, ó Deus, porque as águas me sobem até à alma. Estou atolado em profundo lamaçal, que não dá pé; estou nas profundezas das águas, e a corrente me submerge” (Sl 69:1 e 2).

Na perturbação não se escuta a voz divina; é o mundo barulhento que “fala” desejando “ouvir” essa voz. Quando tudo é escuridão e descontrole, a alma humana precisa escutar: “Aquietai-vos e sabei que Eu sou Deus” (Sl 46:10). O mundo buliçoso e o ser inquieto tranquilizam-se quando se submetem e obedecem à Palavra divina.

Acima das “teorias do caos”, com seus padrões desconstrucionistas e a-históricos de estrutura, persistem os comandos da Voz que deu forma e beleza às coisas e seres. No futuro haverá a soltura dos “ventos” (Ap 7:1-3) causadores de destruição, mas podemos estar certos de que as origens nos revelam como será o fim: Deus intervirá, dominando e eliminando as potências tenebrosas e destrutivas deste planeta caído. As forças do caos, naturais ou sobrenaturais, jamais vencerão as ordens poderosas do Criador.

Fonte: Frank Mangabeira.

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