novembro 21, 2024

Blog do Prof. H

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Houve morte e predação antes do pecado? A Bíblia apoia a ideia do evolucionismo teísta?

O relato da criação de Gênesis admite a possibilidade de que a morte ou a predação existissem no planeta Terra antes da queda e da entrada do pecado descrito em Gênesis 3? A teoria do intervalo ativo* (ou ruina-restauração), discutida sob o quando da criação acima permite longas eras de predação e morte, antes da semana da criação descrita em Gênesis 1:3 a 31, não pode ser sustentada gramatical mente a partir do texto hebraico. O v. 2 simplesmente não pode ser traduzido como: “A Terra tornou-se sem forma e vazia”. Como visto acima, o texto favorece um intervalo passivo, em que Deus criou o Universo (“os céus e a Terra”) “no princípio”, antes da semana da criação (v. 1); e a Terra, naquele momento, era “sem forma e vazia” e “havia trevas sobre a face do abismo”.

(Nota: *Teoria do intervalo ativo

A primeira interpretação [dos primeiros três versículos da Bíblia hebraica] é muitas vezes rotulada como a “teoria da ruina-restauração” ou a “teoria do intervalo ativo”. Segundo esse entendimento, o v. 1 descreve uma criação originalmente per feita em um tempo desconhecido (milhões, bilhões de anos atrás). Satanás era o príncipe deste mundo, mas, por causa de sua rebelião (descrita em Isaías 14:12-17), o pecado entrou no Universo. Alguns defensores da posição do intervalo ativo sustentam que Deus julgou essa rebelião e a reduziu a ruínas – o estado caótico descrito em Gênesis 1:2. Outros afirmam que Satanás recebeu permissão de Deus para fazer experiências nesse mundo, e o caos descrito no v. 2 é o resultado direto das experiências satânicas. Em qualquer caso, aqueles que mantêm essa opinião traduzem o v. 2 como “mas a terra tinha se tornado uma ruína e desolação”. O v. 3 em diante, portanto, apresenta o relato de uma criação posterior, na qual Deus restaura o que tinha sido arruinado. A coluna geológica é geralmente inserida no período da primeira criação (v. 1) e do caos subsequente, e não em conexão com o dilúvio bíblico. A teoria da ruína-restauração ou do intervalo ativo simplesmente não pode resistir ao teste de uma análise gramatical rigorosa. O v. 2 contém claramente três cláusulas nominais e, em hebraico, o significado fundamental das cláusulas nominais é algo fixo, um estado ou condição, não uma sequência ou ação. De acordo com as leis da gramática hebraica, deve-se traduzir “a terra era sem forma e vazia”, não “a terra tornou-se sem forma e vazia. Assim, a gramática hebraica não deixa espaço para a teoria do intervalo ativo).

Mas essa descrição não implica uma condição negativa do caos, como muitas vezes tem sido sugerido, mas apenas que a criação ainda não estava completa. Além disso, os termos “sem forma e vazia” no v. 2 sugerem um deserto, estéril, desabitado, sem vida, até mesmo sem aves, animais e vegetação. Portanto, não somente não havia morte no mundo antes da se mana da criação, como não havia vida! Os v. 1 e 2, assim, ficam sem espaço para que houvesse organismos vivos sobre o planeta Terra antes da semana da criação, e muito menos morte e predação.

De acordo com Gênesis 1 e 2, a morte não é parte da condição original nem dos planos divinos para este mundo. A discussão perspicaz de Doukhan sobre a morte em relação a Gênesis 1 e 2 revela pelo menos três indicadores que apoiam essa conclusão. [1]

Em primeiro lugar, em cada fase da criação, a obra divina é pronunciada “boa” (Gn 1:4, 10, 18, 21, 25) e, na última fase, é pronunciada “muito bo[a]” (v. 31). A relação da humanidade com a natureza é descrita em termos positivos de “domínio”, que é um termo de aliança sem qualquer nuance de abuso ou crueldade. O texto sugere explicitamente que a morte animal ou o sofrimento humano não faziam parte do quadro original da criação, visto que a alimentação prescrita para os seres humanos e os animais eram os produtos das plantas, não dos animais (v. 28-30). Essa harmonia pacífica é também evidente em Gênesis 2, onde os animais foram trazidos por Deus para que o homem lhes desse nomes, sugerindo, assim, o companheirismo (embora incompleto e insuficiente) dos animais com os seres humanos (v. 18).

Um segundo indicador de que a morte não fazia parte do quadro pintado por Gênesis 1 e 2 é a declaração em Gênesis 2:4 a 6 de no momento da criação, o mundo “ainda não” [NVI] tinha sido afeta do por qualquer coisa que não fosse boa. Younker mostrou que as quatro coisas que “não havia” nesses versos eram todas as situações que sobrevieram ao mundo como resultado do pecado:

“(1) a necessidade de lidar com plantas espinhosas, (2) a incerteza anual e o trabalho pesado para a colheita de grãos, (3) a necessidade de empreender fisicamente o cultivo exaustivo do solo e (4) a dependência da chuva, incerta, mas essencial e doadora de vida”. [2]

Doukhan aponta para uma série de outros termos nos relatos da criação de Gênesis que estabelecem a expectativa de algo que está prestes a acontecer, mostrando o que “não havia”, mas estava prestes a se tornar realidade. As alusões à morte e ao mal, que “não havia”, podem ser encontradas na referência ao “pó” (v. 7; ao qual as pessoas retornarão na morte): a menção da árvore do conhecimento do bem e do mal (v. 17, em antecipação ao confronto com o mal e sua experimentação); a responsabilidade dos seres humanos em “guardar” o jardim (v. 15, o que implica o risco de perdê-lo); e o jogo de palavras como “nus” e “sagaz” (Gn 2:25; 3:1)”. [3] Embora implícitas antes que existissem, as condições negativas, incluindo a morte, segundo o texto, “não havia”.

Um terceiro indicador de que a morte não existia anteriormente ao pecado e não fazia parte do plano divino é que Gênesis 3 retrata a morte como um acidente, uma surpresa, que transforma o quadro original de paz e harmonia (Gn 1, 2) em um conflito. Em Gênesis 3, depois da queda, todas as relações harmoniosas descritas em Gênesis 1 e 2 são interrompidas: entre o homem consigo mesmo (culpa, um reconhecimento da “nudez interior” que não podia ser coberta exteriormente; 3:7-10), entre os seres humanos e Deus (medo; v. 10), entre homem e mulher (culpa ou discórdia; v. 12, 13, 16, 17), entre os seres humanos e os animais (engano, conflito; v. 1, 13, 15) e entre os seres humanos e a natureza (decadência; v. 17-19).

Agora, a morte acontece imediatamente (visto que um animal precisou morrer para fornecer vestes para cobrir a nudez dos seres humanos; v. 21) e irrevogavelmente (para os seres humanos que pecaram; v. 19). A desordem do equilíbrio ecológico é atribuída diretamente ao pecado dos seres humanos (v. 17, 18). A bênção de Gênesis 1 e 2 tornou-se maldição (Gn 3:14, 17). Tratando-se da presença de morte ou culpa antes do pecado, Tryggve N. D. Mettinger aponta para o forte contraste entre os antigos relatos de teodiceia do Oriente Médio e a narrativa do Éden em Gênesis 2 e 3:

“O que temos na Mesopotâmia é um tipo de teodiceia que apresenta a morte não como resultante da culpa humana, mas como um modo de existência humana definida pelos deuses. […] Por outro lado, o que temos na narrativa do Éden é uma teodiceia que deriva os fenômenos anômicos da culpa humana. A morte não é o que Deus pretendia, mas é o resultado do pecado humano”. [4]

Alguns comentaristas têm salientado que uma das principais razões para o juízo de Deus pelo dilúvio sobre o mundo antediluviano foi a existência da violência na Terra: “A Terra estava corrompida à vista de Deus e cheia de violência” (Gn 6:11). Essa condição da Terra, “cheia de violência” é repetida novamente no v. 13. O uso do termo “violência” inclui, sem dúvida, a presença de brutalidade e violência física e, sendo que seu objeto é “a Terra”, provavelmente se refira ao comportamento violento dos seres humanos e animais (note os decretos pós-diluvianos que tentam limitar tanto a violência humana como a animal; 9:4-6). O juízo divino sobre a Terra, devido à violência, sugere que a predação, que pressupõe violência e morte (o resultado por demais frequente da violência), não faziam parte da ordem da criação.

Menções intertextuais posteriores aos capítulos 1 e 2, no livro de Gênesis, confirmam que a morte é uma intrusa, que vem como resultado do pecado e não ocorria antes da queda. Doukhan aponta para os marcantes paralelos intertextuais entre Gênesis 1:28 a 30 e 9:1 a 4, onde Deus repete a Noé a mesma bênção dada a Adão, usando os mesmos termos e com a mesma finalidade. Mas, após a queda, em vez do domínio pacífico (como na criação) os animais demonstravam medo e pavor dos seres humanos e, em vez de uma alimentação vegetariana para seres humanos e animais (como na criação), a humanidade estava autorizada a caçar e comer animais. A justaposição das duas passagens revela que o quadro de conflito e morte não é considerado original na criação, mas está relacionado organicamente à queda da humanidade.

Talvez as alusões intertextuais mais instrutivas a Gênesis 1 e 2 ocorram nos profetas do Antigo Testamento e no último profeta do Novo Testamento (autor do livro de Apocalipse). Esses mensageiros de Deus foram inspirados a olhar para além do presente, a um futuro de salvação, descrito como uma recriação do mundo como era antes da queda. Esse quadro, elaborado em grande parte na linguagem de um retorno ao estado edênico, descreve explicitamente uma criação, nova/renovada de perfeita harmonia entre a humanidade e a natureza, quando, mais uma vez, predação e morte não existirão:

O lobo habitará com o cordeiro, o leopardo se deitará junto ao cabrito; o bezerro, o leão novo e o animal cevado andarão juntos, e um pequenino os guiará. A vaca e a ursa pastarão juntas, e as suas crias juntas se deitarão; o leão comerá palha como o boi. A criança de peito brincará sobre a toca da áspide, e o já desmamado meterá a mão na toca de brasílico. Não se fará mal nem dano algum em todo o Meu santo monte, porque a terra se encherá do conhecimento do SENHOR, como as águas cobrem o mar (Is 11:6-9).

Tragará a morte para sempre, e, assim, enxugará o SENHOR Deus as lágrimas de todos os rostos, e tirará de toda a terra o opróbrio do Seu povo, porque o SENHOR falou (Is 25:8).

Eu os remirei do poder do inferno e os resgatarei da morte; onde estão, ó morte, as tuas pragas? Onde está, ó inferno, a tua destruição? (Os 13:14).

Pois eis que Eu crio novos céus e nova terra; e não haverá lembrança das coisas passadas, jamais haverá memória delas (Is 65:17).

Porque, como os novos céus e a nova terra, que hei de fazer, estarão diante de Mim, diz o SENHOR, assim há de estar a vossa posteridade e o vosso nome (Is 66:22).

[Eu sou] Aquele que vive; estive morto, mas eis que estou vivo pelos séculos dos séculos e tenho as chaves da morte e do inferno (Ap 1:18).

Então, a morte e o inferno foram lançados para dentro do lago de fogo (Ap 20:14).

Vi novo céu e nova terra, pois o primeiro céu e a primeira terra passaram, e o mar já não existe. […] E lhes enxugará dos olhos toda lágrima, e a morte já não existirá, já não haverá luto, nem pranto, nem dor, porque as primeiras coisas passaram (Ap 21:1, 4).

Vários estudos têm examinado cuidadosamente estas e outras passagens bíblicas relevantes e concluíram que “Deus criou o mundo sem a presença de morte, dor e sofrimento” e que “a sujeição à vaidade”, mencionada em Romanos 8:19 a 21, começou em Gênesis 3, não em Gênesis 1. [5]

Referências:

  1. Colin L. House, “Some Notes on Translating [“He Made the Stars Also”] in Genesis 1:16″, Andrews University Seminary Studies 25, nº 3 (1987), p. 241-248.
  2. Jacques B. Doukhan, “Where Did Death Come From? A Study in the Genesis Creation Story”, Adventist Perspectives 4, nº 1 (1990), p. 16-18.
  3. Randall W. Younker, “Genesis 2: A Second Creation Account?” em Creation, Catastrophe, and Calvary: Why a Global Flood Is Vital to the Doctrine of Atonement, ed. John T. Baldwin (Hagerstown, MD: Review and Herald, 2000), p. 76 e 77.
  4. Doukhan, p. 17.
  5. Tryggve N. D. Mettinger, The Eden Narrative: A Literary and Religio-Historical Study of Genesis 2, 3 (Winona Lake, IN: Eisenbrauns, 2007), p. 133.

Fonte: Ele Falou e Tudo se Fez: a Criação Divina no Antigo Testamento. Organizador: Gerald A. Kingbeil; Tradutor: Lícius Lindquist. – Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2020. P. 60 e 61, 87- 92.

 

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(Hendrickson Rogers)

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