A complexidade irredutível em microtúbulos, cinetocoros, proteínas reguladoras e outros elementos interativos
A origem da célula eucariótica representa uma das inovações mais significativas na história da vida. As células procariontes e eucariontes apresentam estruturas de divisão celular bastante distintas, tanto nos mecanismos de bifurcação celular e de segregação do DNA, como nos componentes proteicos subjacentes que conduzem esses processos. O estudo realizado pelo Dr. Jonathan McLatchie traz uma série de informações que contrapõem o atual modelo evolutivo sobre as origens do ciclo de divisão celular dos eucariontes. O artigo foi publicado em novembro de 2024 no periódico BIO-Complexity [1] e pode ser acessado aqui.
O Dr. Jonathan McLatchie é bacharel em Biologia Forense pela University of Strathclyde, mestre (M.Res) em Biologia Evolutiva pela University of Glasgow, mestre em Biociência Médica e Molecular pela Newcastle University e doutor em Biologia Evolutiva pela Newcastle University. Anteriormente, Jonathan foi professor assistente de biologia no Sattler College, em Boston, Massachusetts.
O estudo retrata detalhadamente a engenharia e o design requintado presente no ciclo celular eucariótico e em seus sistemas de controle. O artigo argumenta que várias características da divisão celular eucariótica exibem complexidade irredutível. Além disso, quase todos os componentes (que são inferidos por estudos filoestratigráficos anteriores como presentes no último ancestral comum eucariótico) parecem ter surgido após a divisão entre as linhagens arqueana e eucariótica.
A pesquisa revelou que a maioria dos componentes mitóticos já estavam presentes no último ancestral comum eucariótico (LECA). Dada a presença de complexidade do ciclo celular semelhante ao moderno no LECA, espera-se que existam homólogos entre procariontes para pelo menos alguns dos componentes envolvidos. Esse estudo usou a Basic Local Alignment Search Tool (BLAST) para pesquisar os proteomas de procariontes (em particular, membros do superfilo Asgard) para potenciais homólogos de componentes do complexo promotor de anáfase/ciclossomo (APC/C) e seus substratos e o complexo de ponto de verificação mitótico (MCC) e rede cinetocoro.
Os homólogos dos componentes mitóticos não puderam sequer ser identificados entre as arqueias de Asgard, um superfilo que se acredita representar os ancestrais vivos mais próximos dos eucariotos. Embora os dados encontrados não tenham demonstrado de forma definitiva a presença de homólogos completos para a maioria das proteínas investigadas, a análise revelou que a maquinaria mitótica está intimamente associada à eucariogênese. Além disso, a cronologia relacionada à origem desses mecanismos não é precisa, e mesmo uma grande janela de tempo (por exemplo, 2-3 mil milhões de anos) não seria suficiente para que mecanismos evolutivos não guiados produzissem sistemas com esse nível de complexidade.
FALANDO SOBRE OS RESULTADOS
A relevância dos resultados é particularmente interessante, dado que não há essencialmente nenhuma similaridade entre o modo de divisão celular empregado por células eucarióticas e aquele empregado por células procarióticas, seja em termos dos componentes proteicos envolvidos ou da lógica subjacente. Dada a natureza crucial de muitos dos componentes da divisão celular em procariotos e eucariotos, parece improvável a existência de um caminho viável do ciclo de divisão celular procariótica para eucariótica que evite intermediários inviáveis.
É valido trazer à memória a maneira como Darwin lidava com a questão da evolução por seleção natural, abordada em em seu livro A Origem das Espécies como: “natura non facit saltus”, expressão latina que significa “a natureza não faz saltos”. Ao contrário do que Darwin acreditava, o que encontramos nos registros fósseis, no que tange à história da vida, é uma imensa diversidade de “saltos” descontínuos.[2, 3]
Esse “salto” também pode ser observado na biologia molecular, especialmente referente às origens da vida por meio da transição das células procarióticas para eucarióticas, e as origens da multicelularidade. O artigo em questão pontua que a descoberta de genes e proteínas taxonomicamente restritas, que não têm precursores anotados a partir dos quais possam ter evoluído, também ilustra um padrão de “saltos” na história da vida. Abaixo, abordaremos algumas informações relevantes sobre essa temática.
OBSTÁCULOS SIGNIFICATIVOS À ORIGEM DO CICLO CELULAR EUCARIÓTICO POR MEIO DE PROCESSOS EVOLUTIVOS CONDENSINAS
Condensinas são proteínas essenciais para organizar e compactar os cromossomos durante a divisão celular, garantindo que sejam distribuídos corretamente para as células-filhas. Elas atuam em momentos específicos da divisão: a condensina I reforça os cromossomos quando o núcleo já está desmontado, enquanto a condensina II começa a compactação no início do processo.
As moléculas de condensina são compostas de cinco subunidades (como mostrado na figura), incluindo as proteínas SMC (Manutenção Estrutural dos Cromossomos) SMC2 e SMC4, que possuem atividade de produção energética (ATPase). As proteínas SMC possuem domínios coiled-coil (braços longos e flexíveis que se dobram sobre si mesmos, criando uma estrutura em forma de V), um domínio de dobradiça que facilita a dimerização das duas proteínas SMC; e domínios de cabeça contendo sítios de ligação de ATP e ATPase, energizando as atividades das condensinas.
Além das subunidades SMC, há também três subunidades não SMC, que se ligam a regiões específicas do DNA e auxiliam na regulação da atividade de condensação. Resumidamente, essas proteínas formam um complexo com cinco partes principais, incluindo duas chamadas SMC (Manutenção Estrutura dos Cromossomos – responsáveis por usar energia para dobrar e estabilizar o DNA em loops) e outras três que ajudam a direcionar as SMC para os pontos certos no DNA. Juntas, elas criam uma estrutura compacta e organizada, indispensável para que os cromossomos fiquem prontos para a divisão. Desse modo, fica evidente que as condensinas são cruciais para o processo de divisão celular. Na ausência delas, a consequência seria a desorganização cromossômica, bem como grande dificuldade em atingir a segregação adequada durante a mitose.
CINETOCOROS O cinetocoro é uma estrutura proteica complexa, localizada no centrômero dos cromossomos, essencial para a divisão celular. Ele atua como uma ponte entre os cromossomos e os microtúbulos do fuso mitótico, permitindo a captura e o transporte dos cromossomos durante o processo de divisão, até os polos da célula.
As principais funções dos cinetocoros incluem a fixação dos microtúbulos aos cromossomos, a geração de força para movimentar os cromossomos ao longo do fuso mitótico e o controle da separação e do direcionamento dos cromossomos para os polos opostos da célula. Durante a metáfase, os cinetocoros ajudam a alinhar os cromossomos no centro da célula, garantindo que o material genético seja igualmente distribuído entre as células-filhas. Além disso, os cinetocoros detectam a tensão gerada pelos microtúbulos para assegurar uma conexão correta. Se houver qualquer erro nesse processo, como ambos os cinetocoros de um par de cromátides irmãs se conectarem ao mesmo polo, esses problemas podem ser corrigidos pela maquinaria associada aos cinetocoros. Qual seria a consequência da ausência de cinetocoros? Isso resultaria em uma inadequada fixação e tração dos cromossomos ao aparelho do fuso mitótico e o material genético seria distribuído de forma desigual para as células-filhas. Tal fator evidencia a relevância dos cinetocoros para o processo de divisão celular ao ponto de serem encontrados obrigatoriamente em todos os organismos eucarióticos conhecidos.
SEPARASE E O COMPLEXO PROMOTOR DA ANÁFASE
A transição da metáfase para a anáfase, durante a divisão celular, é controlada por uma “máquina molecular” chamada APC/C, que funciona como um marcador que direciona certas proteínas para serem destruídas. Ela trabalha juntamente com outra proteína, chamada Cdc20, e quando estão conectadas, atuam para eliminar a securina, uma proteína que impede que as cromátides (as duas partes idênticas de um cromossomo duplicado) se separem. Dessa forma, quando ligado ao seu coativador, Cdc20, o APC/C funciona para ubiquitilar (marcar) a securina.
A ubiquitilização da securina a direciona para destruição pelo triturador molecular da célula, o proteassoma. Quando a securina é destruída, uma enzima chamada separase é ativada. A separase corta um “anel” chamado coesina, que mantém as cromátides unidas. Isso permite que as cromátides irmãs se separem e sejam tracionadas para lados opostos da célula. Na ausência da separase, as cromátides irmãs não conseguiriam se separar e a célula seria incapaz de separar seus cromossomos na anáfase. Evidência disso foi observada em estudos experimentais de Knockout, os quais indicaram que a ausência da separase resulta em letalidade embrionária.[4,5] A progressão do ciclo celular também seria interrompida na ausência da APC/C, inibindo a progressão da fase de metáfase para a anáfase. Estudos experimentais que eliminaram a APC2 (uma subunidade central da APC/C) em roedores, por exemplo, resultaram em falha letal da medula óssea em apenas sete dias.[6]
AURORA QUINASE
As aurora quinases são proteínas importantes para garantir que os cromossomos sejam organizados e distribuídos corretamente durante a divisão celular. Uma delas, chamada Aurora quinase A fosforila proteínas envolvidas na organização dos microtúbulos (filamentos que tracionam os cromossomos) e facilita a fixação precisa dos microtúbulos ao cinetócoro. Um estudo mostrou que, quando a aurora quinase A está ausente, embriões de camundongos não sobrevivem além do estágio inicial de desenvolvimento (mórula com aproximadamente 16 células), pois apresentaram problemas na montagem do fuso, culminando em erros na divisão celular.[7] Isso demonstra o papel indispensável dessa proteína no processo de mitose.
MICROTÚBULOS
Microtúbulos são estruturas finas e tubulares formadas por proteínas chamadas tubulinas. Eles fazem parte do citoesqueleto, que dá suporte e forma à célula. Na divisão celular, os microtúbulos desempenham um papel crucial ao formar o fuso mitótico, uma estrutura que organiza e separa os cromossomos. Eles se conectam aos cromossomos por meio dos cinetocoros e ajudam a puxar as cromátides irmãs para os polos opostos da célula, garantindo que o material genético seja dividido igualmente entre as células-filhas. Os microtúbulos irradiam dos centrossomos e ancoram no complexo cinetocoro, montado ao redor do centrômero de cada cromossomo. Durante a metáfase, os cromossomos são alinhados ao longo do plano equatorial da célula, ligados aos microtúbulos no cinetocoro. Na anáfase, as cromátides irmãs são separadas pelos microtúbulos, impulsionadas pelas forças do fuso polar.
Na ausência dos microtúbulos, a montagem do fuso mitótico seria severamente prejudicada, inibindo o alinhamento e a segregação dos cromossomos. Um estudo experimental com embriões de camundongos deficientes em γ-tubulina, (gama-tubulina) proteína essencial para a organização dos microtúbulos na célula, exibem uma parada mitótica que interrompe o desenvolvimento nos estágios de mórula/blastocisto.[8] O artigo ainda pontua a relevância de proteínas motoras (cinesina e dineína), sobre os pontos de verificação do ciclo celular e o papel das cinases dependentes de ciclina e das moléculas de ciclina na progressão do ciclo celular e conclui ponderando as evidências de complexidade irredutíveis no processo de divisão celular e sua incompatibilidade com o modelo evolucionista. Você pode ler o resumo aqui.
Nota: A análise dos componentes essenciais do aparato de divisão celular mitótica realizados pelo Dr. Jonathan McLatchie revela uma intricada rede de dependências mútuas, em que cada peça desempenha um papel indispensável para o funcionamento do sistema como um todo. Microtúbulos, cinetocoros, proteínas reguladoras, e outros elementos interativos precisam trabalhar em perfeita harmonia para garantir a segregação precisa dos cromossomos. Essa característica torna o processo de divisão celular mitótica um exemplo marcante de complexidade irredutível.
Na biologia, um sistema é considerado irredutivelmente complexo quando a remoção de qualquer um de seus componentes torna o sistema incapaz de cumprir sua função. Na divisão celular, a ausência de qualquer elemento essencial – como a γ-tubulina para a nucleação dos microtúbulos ou o complexo APC/C para a transição da metáfase para a anáfase – inviabiliza o processo, levando à falha celular e até à morte do organismo em alguns casos. Isso demonstra que a divisão celular não poderia ter surgido de forma incremental por meio de processos cegos, como proposto pelo modelo evolucionário clássico. A existência de sistemas com essa complexidade requer não apenas interação, mas também coordenação e especificidade previamente organizadas.
Tal nível de integração aponta para a necessidade de previsão e planejamento, sugerindo que explicações meramente mecanicistas podem ser insuficientes para abordar as origens da divisão celular eucariótica. Por esse e outros motivos outrora abordados, como bióloga, creio no planejamento e nas intencionalidade da criação de todas as formas de vida existentes, especialmente representadas por sua unidade básica que é célula. A vida é a obra prima de um Deus Criador.
Fonte: Liziane Nunes Conrad (formada em Ciências Biológicas com ênfase em Biotecnologia [UNIPAR], especialista em Morfofisiologia Animal [UFLA] e mestre em Biociências e Saúde [UNIOESTE]. É diretora-presidente do Núcleo Cascavelense da SCB [Nuvel-SCB]).
Referências:
1. McLatchie J (2024) Phylogenetic Challenges to the Evolutionary Origin of the Eukaryotic Cell Cycle. BIO-Complexity 2024 (4):1–19 doi:10.5048/BIO-C.2024.4.
2. Erwin D, Valentine J (2013) The Cambrian Explosion: The Construction of Animal Biodiversity. Roberts and Company (Greenwood Village, CO).
3. Meyer SC (2013) Darwin’s Doubt: The Explosive Origin Of Animal Life And the Case For Intelligent Design. HarperOne (New York).
4. Kumada K, Yao R, Kawaguchi T, Karasawa M, Hoshikawa Y, et al (2006) The selective continued linkage of centromeres from mitosis to interphase in the absence of mammalian separase. J Cell Biol. 172(6): 835-46.
5. Wirth KG, Wutz G, Kudo NR, Desdouets C, Zetterberg A, et al (2006) Separase: a universal trigger for sister chromatid disjunction but not chromosome cycle progression. J Cell Biol. 172(6): 847-60.
6. Wang J, Yin MZ, Zhao KW, Ke F, Jin WJ, et al (2017) APC/C is essential for hematopoiesis and impaired in aplastic anemia. Oncotarget. 8(38): 63360-63369.
7. Lu LY, Wood JL, Ye L, Minter-Dykhouse K, Saunders TL, Yu X, Chen J (2008) Aurora A is essential for early embryonic development and tumor suppression. J Biol Chem. 283(46): 31785-90. doi:10.1074/jbc.M805880200
8. Yuba-Kubo A, Kubo A, Hata M, Tsukita S (2005) Análise de nocaute genético de duas isoformas de gama-tubulina em camundongos. Dev Biol. 282(2): 361-73.
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(Hendrickson Rogers)