abril 26, 2024

Blog do Prof. H

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Sobre as versões bíblicas de Atos 20.28

O debate se iniciou após AA (um irmão católico) ler o artigo “Qual a melhor tradução da Bíblia?” postado por HR (Hendrickson Rogers) no grupo de WhatsApp “Ciência e Filosofia”.

AA Não acho que a acusação de corrupção em Atos 20, 28 seja justa. Não parecem estar usando uma tradução incompatível com o texto grego, já que a Bíblia de Jerusalém verte da mesma forma o versículo.

HR Leia a própria confissão dos tradutores da BJ e vc perceberá que a “acusação” é exata e, portanto, justa. Vou fotografar a minha BJ pra vc:

AA Os tradutores da BJ consideram a leitura de idiou como substantivo, apesar do significado literal. Sendo assim, não me parece uma acusação justa “não traduziram o versículo literalmente”.

AA A única palavra inferida aí seria Filho, para completar o sentido, caso a tradução “do seu próprio” seja adotada.

HR Se o Filho é Deus, e se Lucas, o autor de Atos se referiu ao Filho como Deus, embora a inferência seja legítima, ela não deve substituir o texto, uma vez que pode gerar esperanças arianas, algo que não está presente na semântica do autor.

AA Sendo ambos os textos de sentido ortodoxo, não vejo como rejeitar um deles por motivos teológicos. Não considero um bom critério obrigar uma tradução apenas por ter o sentido teologicamente mais explícito.

HR Essa é a sua opinião. E essa opinião possui implicações obscuras se levada avante. Na verdade é essa opinião que gera os abismos entre o que está na Bíblia e o que está nos manuais de igrejas.. Por isso que há o mandamento de não alterar um til ou um j. Esse mandamento não é subjetivo e deve ser obedecido por todo seguidor de Jesus.

AA Agora, quando se opta pelo segundo sentido, não acho que seja uma boa versão para a nossa língua simplesmente “do sangue do seu próprio”, que não passa o sentido completo, e me parece perfeitamente válido fazer uma inferência de a qual relação o texto se refere.

HR [O site Bible Hub (https://biblehub.com/acts/20-28.htm) apresentando Léxico Strong, informa o seguinte:]

AA Idiou pode ser tanto genitivo neutro (adjetivo concordando com haimatos, “do próprio sangue”) quanto genitivo masculino (substantivo separado, “do sangue do próprio”). Apesar da leitura adjetiva parecer ser a opção mais comum entre os tradutores, não vejo como acusar de desonestidade a escolha pela leitura substantiva ou o complemento necessário para o correto entendimento do texto na nossa língua, caso esse seja o sentido escolhido.

HR Essa é uma crença sua ou vc tem fundamentação para ela? Qual Léxico a apoia? Ser “neutro” ou ser “masculino”.. tanto faz?

AA O genitivo singular da segunda declinação grega, tanto no masculino quanto no neutro, leva a mesma terminação, ου, por isso é impossível diferenciar pelo texto. Qualquer gramática do grego deve ter uma tabela com esse tipo de informação na parte dos paradigmas.

HR Vc está sugerindo que os tradutores da própria BJ, a qual vc defende, não consultaram essa “tabela”, é isso mesmo??

Onde está sua “tabela”?

AA Se eles inferiram que idiou se refere a huiou, que é termo masculino, eles logicamente aceitam a possibilidade do termo ser tomado no masculino.

Olha, sem querer de modo nenhum te ofender, mas isso é o fundamental da gramática grega e seu ceticismo cheira fortemente a falta de familiaridade.

Essa não parece completa, mas tem as informações que eu citei (segunda linha, primeira e terceira colunas).

HR Joia. Agora que vc revelou conhecer aquilo que pronunciou, diga-me, irmão: quem deve definir quando usar o neutro ou o masculino – uma crença/opinião/subjetivismos ou o contexto que reflete a intenção de quem escreveu o texto?

Perceba que a fundamentação dos tradutores para a modificação do texto não foi o contexto, mas uma pressuposição. Isso não é científico/semântico/matemático, mas ideológico. Mas pelo menos eles reconhecerem isso. E vc?

AA O que eu estou defendendo desde o começo é somente que o texto permite a possibilidade de outra tradução. Qual é a correta tradução é algo que está bem acima do meu pouco conhecimento dos textos originais.

O que eu não acho justo, e a razão da minha crítica, é colocar a escolha por uma tradução possível ao lado da corrupção aberta do texto.

HR Os textos originais, embora não existam, não podem ser diferentes das “xerox” tiradas deles. E tais cópias não permitem inferências, ainda que acertadas, pelo prejuízo na fidedignidade da tradução da intenção do autor. Vc parece ignorar a importância de se traduzir com esse escopo: a intenção do autor é mais importante do que a crença/pressuposição de quem o traduz. Já lhe oportunizei que um Léxico e a própria BJ discordam dessa elasticidade que vc atribui ao verso, usando uma fundamentação equivocada: “o artigo é neutro ou masculino, logo é masculino”. Isso é um falso silogismo, ainda mais quando se enxerga/infere o substantivo “Filho” sem qualquer gancho com o contexto. Lucas escreveu:

Portanto, no dia de hoje testifico diante de vocês que estou limpo do sangue de todos, porque jamais deixei de lhes anunciar todo o plano de Deus. Cuidem de vocês mesmos e de todo o rebanho no qual o Espírito Santo os colocou como bispos, para pastorearem a igreja de Deus, a qual ele comprou com o seu próprio sangue.
Atos 20:26‭-‬28 NAA

Onde está o gancho para o acréscimo “Filho”? Onde Lucas deu essa margem? Não há. Muito embora, como eu já mencionei, nesse caso em particular, a inferência não compromete o texto, mas compromete a veracidade da metodologia usada para tal inferência. Ou a gente se ocupa com a Semântica (método matemático/científico) ou nosso método é ideológico e não confiável, pois põe palavras na boca do profeta.

O artigo que vc acha injusto não fala sobre a BJ, mas sobre a tradução Novo Mundo, dos queridos irmãos TJs. Ora, uma vez que se sabe da crença equivocada da parte deles sobre o “Filho”, então, sim, é justo afirmar que houve falta de honestidade da parte de quem usou uma inferência, não o que o profeta bíblico escreveu, para apoiar uma crença falsa – a de que quem deu o sangue pela igreja não foi Deus, mas Seu “Filho (criado)”. Espero que vc perceba isso.

AA Já passamos algumas vezes pela nota da BJ, com a qual você aparentemente está tendo dificuldade por pensar que eles estão limitando as possibilidades de sentido do texto apenas para a versão palavra por palavra citada no começo da nota. O próprio resto da nota vai comentar sobre a possibilidade de um entendimento diferente para o texto, tanto que eles próprios optaram por esse (com a inferência que será comentada abaixo) além de nós já termos comentado sobre a possibilidade gramatical desse outro sentido, com a ambiguidade do duplo genitivo e do gênero do substantivo e do artigo. O léxico também não vai excluir a possibilidade de tradução usada pela BJ e pela TNM, já que essa tradução não depende nem de um segundo sentido para idios, mas de uma interpretação gramática diferente da relação entre os termos presentes no versículo, coisa que definitivamente não está contida na descrição que um léxico dá para a palavra, em todos os casos, o sentido de idiou vai ser “do próprio (Dele)”, concordando com o léxico.

Agora, o problema é que esse sentido ser possível no grego não significa que uma tradução palavra por palavra vá constituir uma versão aceitável no português. Isso gera um problema aqui em que ou o tradutor verte o texto de modo inadequado na nossa língua (gerando a frase incompleta “o sangue do seu próprio”), ou abandona um sentido do texto não por ele ser incorreto, mas por ser de [difícil] tradução direta (o que, suponho, não é o que você quer que seja feito) ou, terceira opção e aquela adotada pelos tradutores da BJ, você infere o que o autor quis dizer com “do seu próprio”, tentando deduzir qual a relação de pertencimento entre Aquele que derramou Seu sangue e Deus como pessoa distinta Dele (isso é, se referindo especificamente ao Pai, como é comum no texto bíblico). Ora, como essa relação é dada pelo uso de um termo que indica pertencimento e se refere a Cristo em relação a Deus, ela só pode ser a filiação. Não tem erro de método já que a tradução de um texto envolve naturalmente escolher um dos sentidos possíveis entre aqueles deixados abertos pelo autor, quando manter todos não é viável na linguagem para a qual se traduz. Essa remoção de ambiguidades vai envolver, em certas construções, deduzir palavras omitidas, não é possível para uma tradução escapar disso, a única coisa que poderia ser feita quanto a isso seria adicionar os parênteses presentes na nota no próprio texto, para indicar a adição de modo mais explícito.

A opção por uma tradução é honesta baseada em ser compatível com o texto, não no autor possuir uma motivação teológica para sua escolha (ou, pior ainda, na correção da teologia usada pelo autor como critério), se formos discutir a correção da tradução talvez nesse caso seja possível excluir uma leitura por critérios teológicos, mas mesmo nesse caso, não considero que seria um bom critério para esse texto, já que ambos os sentidos são ortodoxos. Talvez citando um exemplo similar em conteúdo, mas de peso teológico menor para você, fique mais fácil a compreensão. Na Bíblia de Lutero, em Romanos 3,28, temos a adição da palavra allein (“pela fé sozinha, sem obras da lei”), não presente no texto grego. Além disso, é evidente ele tinha clara motivação teológica para a escolha da versão com essa adição. Concorda, porém, que seria desonesto da minha parte argumentar a partir da inferência e da motivação de Lutero que ele foi desonesto nessa adição, sem antes considerar se essa é uma tradução possível para o texto ou não? É o mesmo problema que tentamos enfrentar aqui e com isso quero chegar no seguinte: uma discussão da honestidade desse tipo de acréscimo é feita analisando somente a compatibilidade da tradução com o texto, não existe inferência de desonestidade a partir da escolha de tradução errada somente, como você está tentando fazer. Como a questão é da possibilidade da tradução, pouco me importa de quem especificamente falamos ou de quais foram os critérios deles para escolherem uma tradução em oposição a outra, apenas se a tradução escolhida foi contra o texto ou não. Como já comentei sobre a validade da inferência, que foi feita também por uma das melhores traduções disponíveis, não acho que nesse caso os tradutores foram contra o texto, portanto, não acho que caiba a acusação de desonestidade para os tradutores, sejam eles Testemunhas ou não.

HR Tudo bem. Respeito sua opinião, muito embora, por esse texto [acima], ela esteja firmemente baseada em.. sua opinião. No entanto, reconheço nele sua sinceridade e interesse em estudar um dos idiomas onde a revelação de Deus nos foi dada. E o parabenizo por isso. Dou por encerrado esse assunto, a menos que vc traga algo externo à sua opinião. Por fim, gostaria de lhe fazer refletir sobre o perigo de se fazer concessões (a BJ fez, mas foi honesta em admitir que fez; a TNM não possui qualquer admissão, o que revela falta de compromisso com o texto, possivelmente pelo fato dele divergir da crença ariana): peço a gentileza de o irmão analisar Apocalipse 1.10. Observe como seu método (o qual não é científico, mas ideológico) está presente na tradução católica deste versinho. Caso queira, podemos continuar nosso diálogo a partir desse texto, o qual evidencia o erro crasso em se permitir a sobreposição da ideologia sobre a técnica.

AA Não estou informado o bastante sobre o texto de Apocalipse 1, 10, para poder dar qualquer opinião de valor sobre a escolha de qualquer tradutor nesse ponto.

HR Ninguém nasce “informado”.. mas tudo bem. A oportunidade está à porta.

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