Patrística: a palavra que Deus não disse (Inácio de Antioquia)
INTRODUÇÃO
Jeremias, o profeta, falando das falsas fontes de ensino, chama-as de “cisternas rotas, que não retêm as águas” (2:13). Deixar as Escrituras – infalível Palavra de Deus – para escorar-se nos chamados Pais da Igreja é, sem dúvida, abeberar-se nas cisternas rotas da confusão, da dúvida, da incerteza e da incoerência. Embora alguns desses homens tenham sido piedosos, a verdade é que não eram inspirados, e seus escritos não são infalíveis. Pelo contrário, há neles uma eiva tremenda de absurdos e ilogismos insanáveis. Eis uma amostra:
CRENÇAS DE INÁCIO QUE CONFLITAM COM A PALAVRA DE DEUS E O BOM SENSO
Inácio, por exemplo, pretende que
a. se torna assassino de Cristo quem não jejua no sábado ou no domingo (Epístola de Inácio aos Filipenses, cap. XIII, § 3°, in fine);
b. defende a transubstanciação, considerando herege quem admite apenas o simbolismo da santa ceia (Epístola de Inácio aos de Esmirna, cap. VII, § 1°);
c. exalta demais a autoridade do bispo, pondo-a acima da de César, chegando ao cúmulo de afirmar que, quem não o consulta, segue a Satanás (Epístola de Inácio aos de Filadélfia, cap. IV, § 1° e também na Epístola de Inácio aos de Esmirna, cap. IX, § 1°).
É bom lembrar que, das quinze cartas atribuídas a Inácio, oito são absolutamente falsas, e as restantes são duvidosas, cheia de interpolações e acréscimos. Não se sabe exatamente o que esse “Pai” escreveu.
SUPOSTA CITAÇÃO DE INÁCIO CONTRA O SÁBADO BÍBLICO
“Inácio, discípulo de João, o apóstolo, escreveu cerca do ano 100 da nossa era o seguinte: ‘Aqueles que estavam presos às velhas coisas vieram a uma novidade de confiança, não mais guardando o sábado, porém vivendo de acordo com o dia do Senhor”.
Vamos passar esse argumento pelo crivo da crítica e ver o que restará dele.
A crítica não confirma que Inácio fosse discípulo de João, nem que esse escrito date precisamente do ano 100. Como se disse anteriormente, a Inácio são atribuídas 15 epístolas. Serão autênticas? Diz a Enciclopédia Britânica, a respeito:
“É agora opinião universal dos críticos que as primeiras oito dessas pretensas cartas de Inácio são espúrias. Trazem em si provas indubitáveis de serem produto de uma época posterior àquela em que Inácio viveu. […] Por unanimidade são hoje postas à parte como falsificações”.
Depois de considerações críticas textuais dos “escritos” de Inácio, conclui:
“[…] alguns vão a ponto de negar que tenhamos qualquer escrito autêntico de Inácio, enquanto outros, embora admitindo as sete cartas mais curtas como provavelmente sendo dele, ainda duvidam muito de que estas estejam livres de intercalações” (Disponível em: https://www.britannica.com/biography/Saint-Ignatius-of-Antioch/Martyrdom-as-union-with-Christ. Acesso em: jun. 2021).
Diz Schaff que estes “documentos […] logo se tornaram tão interpolados, cortados e mutilados, que hoje é quase impossível descobrir com certeza qual é o genuíno Inácio da História ou o pseudo Inácio da tradição” (History of the Christian Church, 2° período, parte 165, vol. 2, pág. 660).
SUPOSTA CITAÇÃO DE INÁCIO A FAVOR DO FALSO SÁBADO DOMINICAL
“[…] não mais guardando o sábado porém vivendo de acordo com o dia do Senhor”.
No grego, nas versões comuns, literalmente assim:
meketi sabbahizontes, alla kata kyriaken zoontes
não mais sabatizando, mas conforme o do Senhor vivendo
Pois bem, nesta cisterna rota, neste cipoal de confusões, nestas águas turvas e revoltas, aparece esta outra citação em abono do espúrio dia de repouso. O trecho citado encontra-se na Epístola de Inácio aos Magnesianos, cap. IX, §1. 2. A citação é duvidosa, pois não se pode ter certeza se é mesmo de Inácio ou se foi interpolação. E o pior é que no texto grego original mais popularizado e difundido não se encontra a palavra “dia” [hemera, ou outra equivalente]. Na realidade a frase, nestas versões, é obscura. Fica assim obscura e sem nexo a expressão de Inácio:
“não mais sabatizando, mas de acordo com o (?) do Senhor vivendo”,
exigindo um aditamento para formar sentido. E então o bispo Lightfoot, advogado do domingo, teve a ideia de acrescentar, ou melhor, de encaixar ali a palavra “dia” forçando o duvidoso Inácio a dizer:
“não vivendo mais para o sábado, mas para o dia do Senhor” (Frank H. Yost, Early Christian Sabbath, cap. 5).
Deu-se, portanto, uma adulteração grosseira, flagrante, uma fraude enfim que é repetida impensadamente pelos dominguistas em geral. Será decente firmar doutrina em base tão precária, fraudulenta e indigna de crédito? Mas não é só. Os eruditos, estudando a citação de Inácio, julgam que a interpolação da palavra “dia” destoa por inteiro do contexto, porque não se vive de acordo com um dia, mas sim de acordo com um princípio, uma ideia, um exemplo ou uma orientação na vida. E encontramos em Patrologia Graeca, de Migne, Vol. 5, pág. 669, obra abalizadíssima, o original de Inácio desta forma:
“Não mais sabatizando, mas vivendo de acordo com a vida do Senhor”.
O sentido aí é que a vida de Jesus se reflita em nossa vida também. O Dr. Frank Yost afirma: “Os aludidos eruditos [Lightfoot e Lake] omitiram a palavra vida para possibilitar a inserção da palavra dia. Mas a palavra vida lá se encontra, e forma sentido lógico, quando devidamente traduzida, sem subterfúgio, do original grego” (Early Christian Sabbath, cap. 5).
O próprio contexto dessa Epístola de Inácio aos Magnesianos revela que o genuíno ou suposto Inácio tratava não do dia da ressurreição, mas da vida divina que, mediante o Senhor ressuscitado, capacitava o crente a viver uma vida cristã de fé, livre do formalismo judaico. Em toda a epístola não há qualquer referência ao dia de adoração.
Portanto, as versões populares omitem qualquer substantivo antes do genitivo “do Senhor”. A versão crítica original consigna a palavra vida e jamais dia. E assim se reduz a frangalhos o argumento estribado nessas palavras atribuídas a Inácio.
A VISÃO DE ESTUDIOSOS SOBRE OS “PAIS” DA IGREJA
Mais abaixo alongamos esta relação citando outros “pais” e seus despautérios. Por aí se vê o absurdo de citá-los para comprovar doutrina. Enquadram-se perfeitamente na conceituação do profeta Jeremias: são verdadeiras cisternas rotas.
Adão Clarke, abalizado comentarista bíblico, depois de considerar a obscuridade dos escritos destes “pais,” conclui: “Em ponto de doutrina a autoridade deles é, a meu ver, nula” (Clarke’s Commentary, on Proverbs 8).
Eduardo Carlos Pereira, douto escritor, disse que a patrística além de constituir-se “testemunha falível de autoridade humana,” era “tradição que a crítica não pode sequer firmar no terreno digno da História”. Diz ainda que se trata de “tradição confusa e contraditória”. E remata: “Pululam, nos anais primitivos da Igreja, escritos espúrios ou apócrifos, que revelam a tendência perigosa para a ficção e para as lendas, que degeneraram largamente nas fraudes pias dos tempos medievais”. (E. C. Pereira, O Problema Religioso na América Latina, págs. 215, 219 e 227).
O Arcediago Farrar acrescenta: “Há pouquíssimos deles cujas páginas não estejam repletas de erros, erros de método, erros de fatos, erros históricos, de gramática, e mesmo de doutrina” (Farrar, The History in Interpretation, págs. 162, 163 e 165, ed. 1886).
Mosheim, afamado historiador eclesiástico confirma: “Não é de admirar que todas as serras dos cristãos podem encontrar nos chamados pais algo que favoreça sua própria opinião e sistemas” (Mosheim, Ecclesiastical History, Liv. 1, part. 2, cap. 3, seção 10).
Sim, os escritos patrísticos provam tudo, amparam a maior heresia. O leitor agora vai ter um choque ao ler estas estarrecedoras declarações, extraídas de uma publicação batista, antiga mas autêntica. Em resposta um jovem ministro que perguntara ao jornal como poderia provar a sua congregação uma coisa, quando nada encontrasse com que prová-la, na Bíblia, o pastor Levi Philetus Dobbs D. D. escreveu o seguinte:
“Recomendo, no entanto, um judicioso emprego dos Pais em geral, da mais alta confiança para qualquer pessoa que esteja na situação do meu consulente. A vantagem dos Pais é dupla: em primeiro lugar porque exercem grande influência sobre as multidões; em segundo lugar porque você poderá encontrar o que quiser nos Pais. Não creio que haja opinião mais tola e manifestamente absurda, para a qual você não possa encontrar passagens para sustentá-la nas páginas daqueles veneráveis homens de experiência. E para a mente comum, tanto vale um como outro. Se acontecer que o ponto que você quer provar nunca tenha ocorrido aos Pais, então você pode facilmente mostrar que eles teriam tomado seu lado se apenas tivessem pensado no assunto. E se, por acaso, nada há para sustentar, mesmo remotamente, de maneira favorável o ponto em questão, não desanime: faça uma boa e vigorosa citação e coloque nela o nome dos Pais, e pronuncie-a com ar de triunfo. Ela será igualmente valiosa. Nove décimos do povo não se detém a indagar se a citação apóia a matéria em debate. Sim, irmão, os Pais são a sua fortaleza. Eles são a melhor dádiva do Céu ao homem que tenha uma causa que não possa ser amparada por nenhum outro modo” (Jornal National Baptist, march 7, 1878, Dr. Wayland, redator).
Duvidaríamos dessa monstruosidade se a ela não tivéssemos acesso.
Causa pena a insegurança dos que se agarram à patrística para salvar uma causa perdida. Os chamados pais da igreja, como podemos ver nesta série de estudos, também ensinaram os maiores dislates e absurdos, e as mais desbragadas heresias. Replicam, romanistas e “protestantes”, oponentes à Palavra de Deus, que, se os citam, fazem-no apenas como referência histórica para provarem que os pais se referiam a um “costume já implantado na igreja subapostólica”. Ora, se isto é verdade então, todos os que se dizem cristãos, forçosamente, por coerência e honestidade mental, terão que admitir que o batismo de afusão, o purgatório, os jejuns cerimoniais, fórmulas, orações pelos mortos e outros disparates eram “costumes” da igreja e, como tais, devem ser aceitos e praticados em nossos dias – embora tais costumes contrariem os claros ensinos dos livros canônicos!
Se eram exatas as informações que davam de um fato, por que o seriam menos em relação a outros fatos? Vamos continuar nossa análise das outras cisternas rotas onde se abeberam autores anti sabatistas, para basear uma “prova” em favor da guarda do domingo, já que não a encontram nas páginas inspiradas da Bíblia.
Fonte: Arnaldo B. Christianini (Subtilezas do Erro, p. 232 – 238) e Hendrickson Rogers.
Confira outros “pais” da igreja cristã:
Inácio de Antioquia
Cipriano, Eusébio de Cesareia e Irineu
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