Patrística: a palavra que Deus não disse (Justino Mártir)
INTRODUÇÃO
Jeremias, o profeta, falando das falsas fontes de ensino, chama-as de “cisternas rotas, que não retêm as águas” (2:13). Deixar as Escrituras – infalível Palavra de Deus – para escorar-se nos chamados Pais da Igreja é, sem dúvida, abeberar-se nas cisternas rotas da confusão, da dúvida, da incerteza e da incoerência. Embora alguns desses homens tenham sido piedosos, a verdade é que não eram inspirados, e seus escritos não são infalíveis. Pelo contrário, há neles uma eiva tremenda de absurdos e ilogismos insanáveis. Eis uma amostra:
CRENÇAS DE JUSTINO QUE CONFLITAM COM A PALAVRA DE DEUS E O BOM SENSO
a. Justino era quiliasta, ou seja, sectário do quiliasma, doutrina herética segundo a qual os predestinados, depois do julgamento final, ficarão ainda mil anos na Terra, no gozo de maiores delícias;
b. ensinava, entre outros absurdos, que os anjos do Céu comem maná (Justino Camelini, p. 274),
c. ensinava que Deus, no princípio do mundo, deu o Sol para ser adorado (Justino, Apologia sobre o Fim).
CITAÇÕES DE JUSTINO A FAVOR DO FALSO SÁBADO?
Justino Mártir, A. D. 140, disse:
“No dia chamado domingo há uma reunião num certo lugar de todos os que habitam nas cidades ou nos campos, e as memórias dos apóstolos e os escritos dos profetas são lidos. […] Domingo é o dia em que todos nós nos reunimos em comum, porque é o primeiro dia em que Deus fez o mundo, e porque no mesmo dia Jesus Cristo nosso Salvador levantou-Se dos mortos. Ele foi crucificado no dia anterior ao de Saturno (sábado) e no dia após o de Saturno, que é o dia do Sol (Domingo), tendo aparecido aos Seus apóstolos e discípulos, ensinou-lhes estas coisas as quais vos temos apresentado para a vossa consideração” (Apologia, cap. 67).
Autores como R. Pitrowski e D. M. Canright (O Sabatismo à Luz da Palavra de Deus) usam a patrística contra a própria Palavra de Deus, mesmo professando defender a Bíblia. Na citação acima, tendenciosa e infeliz, os autores do livro mencionado usam uma tradução errada, porquanto a palavra domingo que aí consta três vezes era inteiramente desconhecida naquele tempo (meados do segundo século).
O original de Justino diz exatamente o seguinte, revelando o revisionismo:
“No dia chamado do Sol, faz-se uma reunião de todos os que moram nas cidades e nos distritos rurais e se leem as memórias dos apóstolos e os escritos dos profetas. […] No dia do Sol realizamos uma reunião em conjunto, no qual dia Deus, havendo mudado a obscuridade e a matéria, fez o mundo; e Jesus Cristo, nosso Salvador, ressuscitou dos mortos no mesmo dia. Fora crucificado um dia antes ao [dia] de Saturno e no dia que segue ao [dia] de Saturno – o dia do Sol – tendo aparecido aos apóstolos e discípulos ensinou-lhes estas coisas que submetemos à vossa consideração”.
Note-se a diferença. A palavra domingo aí é pura invenção porquanto o original menciona tão-somente “dia do Sol” – o feriado pagão vigente naqueles tempos. Justino vivia em meio ao surto expansionista do mitraísmo, culto de adoração solar que se implantara no Império. Esta Primeira Apologia endereçava-se a Antônio Pio e ao povo romano, e nela Justino refere-se aos mistérios de Mitra como coisa conhecidíssima de seus leitores.
Em outro documento, o Diálogo com Trifo, Justino menciona claramente o mitraísmo por duas vezes. Se a citação de Justino Mártir prova alguma coisa, prova apenas isto: que nos meados da segundo século, os cristãos já estavam adotando práticas pagãs, em virtude da forte campanha antijudaica e também começando a cortejar o Estado, fato que continuou com o episódio de Constantino. É isto o que provam as palavras acima de Justino.
É isto o que a História regista: a apostasia gradual. Tudo isto ocorreu sem a menor sanção escriturística – sem a mínima autoridade da Palavra de Deus. E esse primeiro dia da semana não era dia de guarda, pois após a reunião matinal, os cristãos retornavam ao trabalho. Justino jamais chamou ao primeiro dia da semana “domingo” e muito menos de “dia do Senhor” – designação que posteriormente se ligaria ao dia espúrio.
Sim, Justino refere-se unicamente à “semana astrológica” do paganismo, e ao fato de o “festival da ressurreição” celebrar-se após o sábado bíblico, que ainda era o dia de guarda. Esse dia de reunião, chama-o de “dia do Sol.” No mesmo trecho se menciona o sábado como “dia de Saturno,” o sétimo dia da “semana astrológica.” Veremos mais detalhadamente através de uma tabela dos dias da semana astrológica, e como o nome dos dias passou para algumas línguas:
Tabela 1, página 242
Aí está a semana planetária do paganismo, que deu origem aos nomes dos dias da semana em quase todos os idiomas. A título de informação e para robustecer o argumento, mencionamos ainda os dias semanais em algumas línguas de origem latina: o “dia do Sol” do mitraísmo passou posteriormente, com implantação do costume apóstata, a designar-se “dia do Senhor”, e os cristãos também o fizeram relacionando-o com Cristo.
Tabela 2, página 243
O SOL COMO “SENHOR” DO IMPÉRIO ROMANO
No Império Romano, o deus-Sol Mitra era popularmente designado como o Sol Invictus (o Sol invencível) – ocorrem com certa freqüência expressões como Sanc – que se designava o Sol, na verdade significava “Senhor”. Nos almanaques chineses consta o “dia de Mih” (dia de Mitra) que se traduz por “dia do Senhor.” Em inscrições romanas relacionadas com o mitraísmo – culto do Sol invencível – ocorrem com certa freqüência expressões como “Sancto Domino Invicto Mithrae” (o Santo Senhor Mitra Invencível), “Domino Soli” (o Senhor, o Sol), “Domino Soli Sacrum” (sagrado ao Senhor, o Sol), “Domino Soli Sacro” (ao Senhor, o Sol sagrado).
O imperador Aureliano chegou a proclamar oficialmente o Sol como Sol Daminus Imperii Romano (o Sol, Senhor do Império Romano), e mandou cunhar a efígie do Sol em moedas.
Antiquíssima inscrição tumular encontrada em Catânia, ao pé do monte Etna, na Sicília, epitáfio para uma criança sepultada, diz: “Ele nasceu, ó Senhor das boas coisas, no décimo quinto dia antes das calendas de novembro, no dia de Saturno; viveu dez meses; e faleceu no décimo dia antes das calendas de setembro, no dia do Senhor do Sol”.
Aos que desejarem mais amplas informações históricas sobre o mitraísmo, recomendamos as obras Textes Figurés aux Mystères de Mithra, de F. Cumont, e Sunday in Roman Paganism, Robert Leo Odom, das quais extraímos os dados acima. São autores da maior idoneidade.
Ouçamos ainda mais alguns testemunhos:
“Os gentios constituíam um povo idólatra que adorava o Sol, e o domingo (ou dia do Sol) era o seu dia mais sagrado. Ora, a fim de conquistar o povo em seu novo campo, parecia se não natural ao menos necessário fazer do domingo o dia de repouso da igreja. Naquele tempo achava-se a igreja num dilema: ou adotar o dia dos gentios, ou fazer com que os gentios mudassem para seu dia de adoração. Impor a mudança do dia dos gentios teria sido uma ofensa e pedra de tropeço para eles. A Igreja podia naturalmente ganhá-los melhor, observando o dia em que eles repousavam. Assim não foi preciso causar ofensa desnecessária, desonrando o dia deles” (William Frederick, Three Prophetic Days, p. 169 e 170).
“Os cristãos primitivos logo adotaram a semana astrológica. O domingo foi aceito como um dos dias santos da religião oficial romana. Assim a instituição pagã foi inserida no cristianismo” (Webster, Rest Days, p. 220 e 221).
“A igreja tomou a filosofia pagã e fez dela o escudo da fé contra os pagãos. Ela tomou o dia do Sol dos pagãos e fez dele o domingo cristão” (The Catholic World, revista, março de 1894).
“As nações idólatras, em honra ao seu principal deus, o Sol, começava o seu dia ao aparecimento dele […]. Dia do Sol (Sunday) era o dia em que os pagãos, em geral, consagravam culto e honra ao seu principal deus, o Sol, dia que, consoante nosso cômputo, era o primeiro da semana” (Jennings, Jewish Antiquities, livro 3, cap. I e III).
“Os mais antigos germanos, sendo pagãos costumavam dedicar-se no primeiro dia da semana à especial adoração do Sol, razão por que aquele dia, em nosso idioma inglês, ainda conserva o nome de ‘Sunday’ (dia do Sol)” (Verstegan’s Antiquities, p. 11.
Tome-se, por exemplo, um dicionário autorizado, o de Webster (edição do ano 1925), e no verbete “Sunday” lemos essa frase: “Sunday, ou dia do Sol, é assim chamado porque antigamente este dia era dedicado ao Sol, ou ao seu culto”.
A autorizada enciclopédia Schaff-Herzog dá-nos interessante informação a respeito de como o dia do Sol entrou para o cristianismo, sem preceito bíblico, sem sanção divina, sem exemplo de Jesus ou recomendação apostólica. Ei-la: “Domingo (Dies Solis do calendário romano; ‘Dia do Sol’ porque era dedicado ao Sol), o primeiro dia da semana, foi adotado pelos primitivos cristãos como um dia de culto. O ‘Sol’ de adoração latina era por eles [cristãos] interpretado como ‘o Sol da Justiça’ […]. Nenhum preceito para a Sua observância consta do Novo Testamento nem, na verdade, Sua observância é determinada” (Schaff-Herzog Encyclopedia, verbete “Sunday”).
Conhecendo-se a verdade histórica quanto à apostasia gradual que culminaria mais tarde com o edito de Constantino na esfera civil, e decisões de alguns concílios na esfera religiosa, selando assim o domingo como dia de guarda, pode-se ver, em seu verdadeiro aspecto e sentido a declaração de Justino Mártir, a respeito de reuniões que se faziam no dia “do Sol”. E assim se pulveriza a “prova” de Justino sobre o falso sábado, bem como sua suposta autoridade doutrinária como “pai” da igreja.
A VISÃO DE ESTUDIOSOS SOBRE OS “PAIS” DA IGREJA
Mais abaixo alongamos esta relação citando outros “pais” e seus despautérios. Por aí se vê o absurdo de citá-los para comprovar doutrina. Enquadram-se perfeitamente na conceituação do profeta Jeremias: são verdadeiras cisternas rotas.
Adão Clarke, abalizado comentarista bíblico, depois de considerar a obscuridade dos escritos destes “pais,” conclui: “Em ponto de doutrina a autoridade deles é, a meu ver, nula” (Clarke’s Commentary, on Proverbs 8).
Eduardo Carlos Pereira, douto escritor, disse que a patrística além de constituir-se “testemunha falível de autoridade humana,” era “tradição que a crítica não pode sequer firmar no terreno digno da História”. Diz ainda que se trata de “tradição confusa e contraditória”. E remata: “Pululam, nos anais primitivos da Igreja, escritos espúrios ou apócrifos, que revelam a tendência perigosa para a ficção e para as lendas, que degeneraram largamente nas fraudes pias dos tempos medievais”. (E. C. Pereira, O Problema Religioso na América Latina, págs. 215, 219 e 227).
O Arcediago Farrar acrescenta: “Há pouquíssimos deles cujas páginas não estejam repletas de erros, erros de método, erros de fatos, erros históricos, de gramática, e mesmo de doutrina” (Farrar, The History in Interpretation, págs. 162, 163 e 165, ed. 1886).
Mosheim, afamado historiador eclesiástico confirma: “Não é de admirar que todas as serras dos cristãos podem encontrar nos chamados pais algo que favoreça sua própria opinião e sistemas” (Mosheim, Ecclesiastical History, Liv. 1, part. 2, cap. 3, seção 10).
Sim, os escritos patrísticos provam tudo, amparam a maior heresia. O leitor agora vai ter um choque ao ler estas estarrecedoras declarações, extraídas de uma publicação batista, antiga mas autêntica. Em resposta um jovem ministro que perguntara ao jornal como poderia provar a sua congregação uma coisa, quando nada encontrasse com que prová-la, na Bíblia, o pastor Levi Philetus Dobbs D. D. escreveu o seguinte:
“Recomendo, no entanto, um judicioso emprego dos Pais em geral, da mais alta confiança para qualquer pessoa que esteja na situação do meu consulente. A vantagem dos Pais é dupla: em primeiro lugar porque exercem grande influência sobre as multidões; em segundo lugar porque você poderá encontrar o que quiser nos Pais. Não creio que haja opinião mais tola e manifestamente absurda, para a qual você não possa encontrar passagens para sustentá-la nas páginas daqueles veneráveis homens de experiência. E para a mente comum, tanto vale um como outro. Se acontecer que o ponto que você quer provar nunca tenha ocorrido aos Pais, então você pode facilmente mostrar que eles teriam tomado seu lado se apenas tivessem pensado no assunto. E se, por acaso, nada há para sustentar, mesmo remotamente, de maneira favorável o ponto em questão, não desanime: faça uma boa e vigorosa citação e coloque nela o nome dos Pais, e pronuncie-a com ar de triunfo. Ela será igualmente valiosa. Nove décimos do povo não se detém a indagar se a citação apóia a matéria em debate. Sim, irmão, os Pais são a sua fortaleza. Eles são a melhor dádiva do Céu ao homem que tenha uma causa que não possa ser amparada por nenhum outro modo” (Jornal National Baptist, march 7, 1878, Dr. Wayland, redator).
Duvidaríamos dessa monstruosidade se a ela não tivéssemos acesso.
Causa pena a insegurança dos que se agarram à patrística para salvar uma causa perdida. Os chamados pais da igreja, como podemos ver nesta série de estudos, também ensinaram os maiores dislates e absurdos, e as mais desbragadas heresias. Replicam, romanistas e “protestantes”, oponentes à Palavra de Deus, que, se os citam, fazem-no apenas como referência histórica para provarem que os pais se referiam a um “costume já implantado na igreja subapostólica”. Ora, se isto é verdade então, todos os que se dizem cristãos, forçosamente, por coerência e honestidade mental, terão que admitir que o batismo de afusão, o purgatório, os jejuns cerimoniais, fórmulas, orações pelos mortos e outros disparates eram “costumes” da igreja e, como tais, devem ser aceitos e praticados em nossos dias – embora tais costumes contrariem os claros ensinos dos livros canônicos!
Se eram exatas as informações que davam de um fato, por que o seriam menos em relação a outros fatos? Vamos continuar nossa análise das outras cisternas rotas onde se abeberam autores anti sabatistas, para basear uma “prova” em favor da guarda do domingo, já que não a encontram nas páginas inspiradas da Bíblia.
Fonte: Arnaldo B. Christianini (Subtilezas do Erro, p. 232 – 238) e Hendrickson Rogers.
Confira outros “pais” da igreja cristã:
Justino Mártir
Cipriano, Eusébio de Cesareia e Irineu
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